sábado, 1 de outubro de 2011

A Alimentação Vegetariana como novo paradigma ético, ecológico e alimentar


por Pedro Jorge Pereira
artigo publicado na Revista Vegetariana nº7, de Outono/Inverno de 2011





Provavelmente já todos ouvimos a expressão “Somos aquilo que comemos”. Sendo a alimentação
de facto tão preponderante naquilo que somos e fazemos porque é que, tantas vezes, praticamos
uma alimentação tão inconsciente e descuidada? Não acaba por ser inevitável o surgimento de
tantos problemas de saúde associados ao nosso estilo de vida e em particular à nossa alimentação?

Pode-se também dizer que a nossa alimentação se artificializou, industrializou e tornou em larga
medida negligente. Quantas vezes fazermos algum esforço para reflectir verdadeiramente sobre os
nossos hábitos alimentares? Até que ponto nos preocupamos verdadeiramente com a qualidade e
vitalidade da nossa alimentação? Ou com a forma como esta se reflecte, desde logo e antes de tudo
o mais, na nossa própria saúde?

Muitas vezes só acabamos por desenvolver esse género de preocupações, se desenvolvemos,
quando a isso somos forçados por circunstâncias adversas nomeadamente: distúrbios físicos e/ou
mesmo psicológicos resultantes da nossa alimentação.

Para além de um padrão evidente de industrialização, de artificialização e de aumento exponencial
do consumo de produtos animais, sobretudo carne, distúrbios alimentares como a obesidade, num
período anterior sobretudo à II G.M., eram praticamente residuais ou inexistentes. Actualmente
adquirem contornos quase epidémicos no dito “mundo desenvolvido”. Em alguns países
cerca de metade, ou mais, da população evidencia excesso de peso. Às vezes em proporções
verdadeiramente assustadoras.

Simultaneamente, e como consequência natural, o número de doenças cardiovasculares disparou
também nos países desenvolvidos. Porventura a alimentação não será o único factor mas, associada
por exemplo a um maior sedentarismo, é sem dúvida um dos principais, senão mesmo o principal,
factor.

Por outro lado, se analisarmos a própria evolução do sector alimentar, podemos facilmente constatar
um padrão de concentração da produção sob o controlo de grandes empresas agro-industriais. De
uma forma geral essa concentração tem-se vindo a revelar nociva. Ao nível da produção, apesar de
uma suposta maior oferta em termos de marcas e produtos (marcas, na realidade, na maior parte
das vezes, detidas por um conjunto muito restrito de corporações) a realidade é que se tem vindo a
assistir a uma gradual perda de diversidade e a uma aceleração dos processos de industrialização.

O próprio poder dessas corporações baseia-se em larga medida numa poderosa estrutura de
propaganda e marketing que, obviamente, existe predominantemente para induzir os indivíduos ao
consumo, se possível quase “patológico”, dos seus produtos. Com esse intuito essas corporações
conseguem, vezes sem conta, atingir de facto os seus propósitos comerciais mas com um elevado
impacto negativo ao nível da educação e consciência alimentar, assim como cívica, dos indivíduos.
Ou seja, muitos dos seus produtos têm um impacto bem mais negativo do que positivo no regime
alimentar dos cidadãos (por exemplo considerando que muitas utilizam vezes sem conta o açúcar
como substância aditiva) mas essa não é de forma alguma a mensagem que é transmitida. Bem pelo
contrário.

Um público particularmente vulnerável a todo esse bombardeamento comercial é o público
infantil. As crianças são também, simultaneamente, um alvo particularmente “apetecível” pois
têm uma capacidade de influenciar as escolhas e hábitos de consumo da família de uma forma
inestimável. Basta pensarmos no caso das crianças que “arrastam” atrás de si toda a família para o
“Macdonalds” em virtude de toda a sedução dos brindes do “Happy Meal” e das zonas de recreio
para crianças.

Se reflectirmos bem sobre a questão é profundamente perturbador pensar que algo com uma
importância tão primordial como a alimentação, que se reflecte de uma forma tão directa na saúde

dos indivíduos e, por inerência, da sociedade, tenha vindo a tornar-se numa área onde os interesses
corporativos de poderosas multinacionais predominam vezes sem conta em detrimento de valores
bem mais importantes e éticos. Na prática, o que isto significa é que muitas vezes certos produtos
e marcas que são promovidos como tendo este ou aquele benefício ao nível do próprio bem-estar
físico para o consumidor estão a vender uma mais valia falsa ou até, em muitos casos, falaciosa.
Por vezes contribuem até para a adopção de estilos de vida e padrões alimentares profundamente
errados e perniciosos.

A esse nível, estou em crer, e generalizando, que a evolução tem sido predominantemente num
sentido negativo. Algumas das tendências, parcialmente já mencionadas anteriormente, e que se
podem classificar de evidentemente mais negativas são:

- O aumento exponencial do consumo de carne e de outros produtos animais (nomeadamente
lácteos);

- O maior refinamento e processamento dos alimentos o que leva, obviamente, a uma elevada perda
de nutrientes e de outras propriedades. Isto apesar de estes se apresentarem como, aparentemente,
mais atractivos e saborosos;

- Deficiente ingestão de produtos/alimentos integrais;

- Ingestão insuficiente ou mesmo quase residual de produtos hortícolas e frutícolas “frescos”,
derivado, por exemplo, de um aumento dos alimentos congelados ou repletos de conservantes e
intensificadores de sabor artificiais;

- Globalização da produção alimentar privilegiando em larga medida os processos mais intensivos,
industrializados mas também com um impacto ecológico mais pesado e destrutivo. Para além de
todos os impactos ao nível da saúde humana que estão ainda e em larga medida por avaliar.

- Aumento do consumo e “vulgarização” do “fast-food”.

- Perda de vínculos sociais e em parte da importância da refeição como momento de
confraternização familiar.

Haverá muitos outros padrões e tendências a observar. No entanto, podem mencionar-se apenas os
anteriores como sendo alguns dos mais preponderantes e fundamentais.

Tendo as sociedades “ocidentais” desenvolvido este género de padrões a questão que urge suscitar
é: O que fazer para conseguirmos inverter todo este género de tendências e fenómenos em larga
escala de deterioração dos padrões alimentares?

A alguns níveis começam a surgir indicadores positivos de uma maior consciencialização, assim
como esforços e movimentos empenhados na promoção de padrões alimentares mais saudáveis,
equilibrados e também ecológicos. As versões mais recentes da própria pirâmide alimentar, por
exemplo (com uma preponderância bem maior das frutas, legumes, oleaginosas e cereais integrais),
denotam bem essas mudanças positivas.

Mas um dos mais significativos sinais de optimismo que tem vindo a surgir prende-se com a maior
difusão do vegetarianismo à escala global.
Parece-me de facto que qualquer mudança de paradigma a nível da alimentação das sociedades
ditas ocidentalizadas terá que passar, pelo menos, por uma redução bastante drástica e efectiva
do consumo de proteína animal. Redução que, de resto, só iria trazer benefícios considerando as
diversas dimensões e impactos negativos ao nível dos quais o consumo excessivo se repercute
(saúde, ambiente, bem-estar animal, etc.)
A mudança não implica que todas as pessoas tenham que se tornar necessariamente vegetarianas.
Haveria muito a ganhar com isso certamente, mas acima de tudo urge inverter a tendência que se
tem vindo a verificar de um aumento da procura e consequentes impactos da produção e consumo
de carne.
Há algumas décadas atrás, mesmo sem ser necessariamente vegetariano, a realidade é que o padrão

alimentar de uma grande parte das pessoas era caracterizado por um consumo de carne bastante
inferior aos níveis actuais. Muitas famílias comiam carne cerca de uma vez por semana.
De qualquer das formas, e apesar de cada vez mais difundido, ainda existe um enorme
desconhecimento em relação àquilo que é, ou pode ser, a alimentação vegetariana e algumas das
suas principais características.
Nesse sentido todos os esforços e projectos que têm por intuito a divulgação da alimentação
vegetariana, assim como dos seus princípios e valores, são de valorizar, apoiar e divulgar.
O vegetarianismo não será certamente a “panaceia” para todos os males que caracterizam a nossa
sociedade no que diz respeito aos seus problemas alimentares, mas por todos os benefícios que pode
e já está a trazer é certamente um elemento chave nas tremendas mudanças que todos temos que nos
esforçar - desde logo no nosso próprio estilo de vida - por fazer acontecer. Vamos a isso?

Pedro Jorge Pereira
Segredos da Horta – Alimentação Vegetariana Natural
segredosdahorta@gmail.com
http://segredosdahorta.blogspot.com