Sādhana



ALGUMAS REGRAS E CONSELHOS PARA UMA
PRÁTICA SEGURA DE HATHA YOGA




 
Intervalo de pelo menos 1.30h entre a última refeição e a prática de Hatha Yoga.
Esperar 30min depois do final da prática para se alimentar.
Chuveiro breve antes e depois da prática (se possível).
Mínimo de roupa, própria para a prática (desportiva, elástica).
Concentração e bom senso, humildade e paciência, força de vontade e persistência.
Se se sentir muito cansado ou doente não pratique, descanse.
A pratica de ontem foi ontem, a de hoje é a mais importante, tente não comparar. 
Lembre-se que o corpo é um veículo insubstituível , cuide bem dele, não ultrapasse os limites.
Muito importante para praticantes inexperientes a presença de um professor qualificado com conhecimentos de anatomia.

Se for fazer aulas em grupo:
Chegue mais cedo.
Se chegar atrasado fique atrás e procure incomodar o menos possível.
A prática é feita em silêncio, respeite-o.
Se tiver que perguntar algo ao professor, chame-o sem incomodar os colegas de prática e faça-lhe a pergunta ao ouvido.
A prática é sua, sempre que olhar para o vizinho perdeu o foco.
Se for fazer algo que ponha em risco a sua segurança ou a dos demais, pense três vezes antes de o fazer e peça um conselho ao professor.
A turma é um grupo, contribua para o seu bem-estar.
Aproveite, é uma benção poder praticar em grupo!


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OS ÁSANAS SEGUNDO PATAÑJALI

por Pedro Kupfer



Todos os praticantes nos deparamos, cedo ou tarde, com a definição clássica que o sábio Patañjali dá sobre ásana no Yoga Sutra ('Aforismos do Yoga'), texto seminal desta escola de filosofia. Ele afirma que 'ásana é a postura, firme e confortável' (sthirasukham ásanam, YS,II:46). No entanto, alguns yogis ficam confusos sobre como deveria ser interpretada esta afirmação, uma vez que não são dados maiores detalhes nesse importante texto. Essa confusão diz respeito ao equilíbrio entre os dois adjetivos que este sábio usa para qualificar as posturas do Yoga. Como encontrar a igualdade de forças entre firmeza e conforto? Como evitar cair na acomodação ou nos deixar arrastar pelo excesso de rigidez?
Acredito que, para encontrar a maneira correta de interpretar esse ensinamento, devamos ir até a origem da questão: sthira significa firme, sólido. Por outro lado, há várias formas de definirmos sukham: felicidade, algo fácil, fluido ou agradável. Na frase do Yoga Sutra, percebemos que o autor coloca primeiramente o termo sthiram. Nao há dúvida, portanto, sobre o fato de que devamos construir o ásana (seja qual for a sua interpretação dessa palavra), primeiramente, da maneira mais firme. Somente depois vem sukham, o conforto. Sukham não pode ser mole, uma vez que seria ilógico, ja que sthiram significa firme. Portanto, agradável, já que sukham significa mesmo felicidade, alegria, parece-me uma forma adequada de traduzir o termo.

O caminho do meio.
Interpretando isso desde o ponto de vista do Hatha Yoga, poderíamos considerar que na prática deveríamos aplicar de maneira balanceada ambos fatores: sthira e sukham, em partes equilibradas: nem muito para a rigidez, nem muito para a moleza ou a auto-complacência. O caminho do meio, como ensinou o filósofo budista Nagarjuna, sempre me pareceu o mais lógico. Você não quer se matar na prática nem, como professor, machucar ninguém.
No entanto, se você considera que a sua prática está muito rígida, pode ser que esteja faltando um pouco de sukham nela. Força, flexibilidade e concentração são elementos necessários na prática de Hatha, mas não apenas nela. Se você não aplicar algum grau de força ou concentração, não conseguirá nem sequer se manter em pé ou sentado.
Por outro lado, percebemos que alguns praticantes têm uma espécie de obsessão com a firmeza e a permanência, como se o sucesso na prática dependesse da capacidade de ficar por horas em alguma postura específica. Um tempo atrás conheci um professor que estava convencido de que a iluminação poderia ser alcançada através de uma permanência suficientemente longa a inversão sobre a cabeça, sirshásana.

2h de sirshásana = iluminação?
No livro Hatha Yoga, uma técnica de libertação, o célebre yogi estadunidense da década de 1940, Theos Bernard, coloca um depoimento sobre como foi instruído por seu professor indiano para aumentar progressivamente a permanência nessa posição até chegar a duas horas diárias. Como bem sabemos, o que vale para um yogi pode não valer para outros. É necessário termos bom-senso na hora de escolher nossas práticas.
Este depoimento de Bernard foi tomado pelo colega referido acima como um exemplo a ser copiado. Acontece que esta pessoa tinha uma fragilidade congênita na região cervical e, depois de alguns meses insistindo em fazer algo que o corpo dele não recebia mesmo bem, acabou por gerar uma tremenda lesão nos discos cervicais, que comprometeu não apenas a sua prática pessoal, mas igualmente alguns movimentos básicos do cotidiano, como girar a cabeça para os lados e deixou seqüelas que irão acompanhar a pessoa pelo resto da vida. Este é um exemplo de interpretação exagerada do termo sthira. Excesso de firmeza ou excesso de permanência, nem sempre serão benéficos para o praticante.

Algumas dicas.
Então, a idéia geral para aplicar o princípio sthirasukham à prática das posturas, seria observar cuidadosamente a respiração ao longo da prática. A respiração é o termômetro natural para filtrarmos e interpretarmos corretamente os sinais que o corpo nos envia incessantemente. Se ela estiver pausada, ritmada, uniforme e profunda, isso pode ser interpretado de duas maneiras: a) estamos no ponto de equilíbrio entre a estabilidade e conforto, ou b) poderíamos ir um pouco além no esforço. Se, investigando o limite desse esforço (seja na permanência, seja na intensidade), verificarmos que a respiração fica mais difícil, ofegante ou pesada, esse seria o sinal para desfazer o ásana ou para continuarmos permanecendo nele, mas de maneira mais suave.
Outros sinais de exagero na firmeza ou na permanência são o tremor do corpo devido ao excesso de rigidez ou falta de firmeza na postura, a ansiedade, a instabilidade emocional ou mental, ou a transpiração excessiva (não há mal em transpirarmos normalmente ao praticar no verão).
No outro extremo, uma prática excessivamente cuidadosa, suave ou lenta pode se tornar inócua para o praticante. No entanto, temos que compreender exatamente o que queremos dizer com prática excessivamente cuidadosa: por exemplo, algo que seja tremendamente fácil para um praticante na faixa dos 40 anos de idade e ativo fisicamente, pode ser impossível, desaconselhável ou até mesmo perigoso para um praticante sedentário na faixa dos 50 anos.
A questão, portanto, parece estar em evitar os extremos, e em renovar constantemente a capacidade de auto-observação, de maneira que a cada prática sejamos capazes de interpretar corretamente o que significa aplicar o esforço e a entrega em doses equilibradas. Cabe, nesse sentido, lembrar que o corpomente está sujeito a constantes mudanças ao longo da vida e que, conseqüentemente, é desejável fazer uma leitura diária e uma correta interpretação dos sinais que ele nos envia. Boas práticas e namaste!
Texto publicado originalmente na revista Prana Yoga Journal. Visite o website da revista clicando aqui: www.eyoga.com.br. Texto retirado do site www.yoga.pro.br. Pedro Kupfer é professor de Yoga e Vedanta e edita o site atrás referido

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 SUA PRÁTICA DE HATHA YOGA

Por Pedro Kupfer



Este texto versa sobre a importância da prática pessoal para a consecução do objetivo do Yoga. Esse objetivo é moka, a iluminação. Este artigo tem duas partes, das quais a presente é a primeira e está centrada na construção da prática pessoal. A segunda, cujo tema central é o alvo dessa mesma prática, está publicada neste website sob o nome "Sádhana é acertar o alvo".
O amigo leitor poderá considerar isto uma espécie de “fórmula” com algumas sugestões para elaborar sua prática pessoal, em harmonia com a maneira em que, tradicionalmente, estas práticas têm sido feitas. A sequência e maneira em que estas técnicas aparecem aqui listadas respeita rigorosamente a estrutura que aparece em algumas escrituras do Yoga, que citaremos logo a seguir.
A organização das diferentes práticas do Yoga em etapas ou membros é comum a quase todos os sistemas técnicos e continua sendo usada até hoje, para sistematizar a miríade de técnicas que o Yoga desenvolveu desde sua origem.
Em todas elas, há algo em comum: as técnicas são colocadas sequencialmente, sempre a partir da mais densa e em direção à mais sutil. Partindo das experiências do corpo físico e das questões relativas à vida cotidiana, essas práticas assumem uma progressiva sutileza, cuja culminação é o estado de liberdade e plenitude, chamado moka.
O modelo de sugestão de prática aqui apresentado está inspirado no saptasādhana, a prática em sete etapas ensinada num antigo texto de Haṭha Yoga chamado Gheraṇḍa Sahitā, do século XV. Certamente, o esquema de prática da Gheraṇḍa Sahitā está baseado no Aṣṭaṅga Yoga compilado pelo sábio Patañjali, do século IV ou III a.C., que já é certamente bem familiar para o leitor, e cujas partes são as seguintes:
1. Yama: prescrições de conduta,
2. Niyama: proscrições de conduta,
3. Āsana: posturas físicas,
4. Prāāyāma: respiratórios,
5. Pratyāhāra: abstração sensorial,
6. Dhāraā: concentração,
7. Dhyāna: meditação e
8. Samādhi: iluminação.
Esse sistema óctuplo recolhido por Patañjali, por sua vez, foi claramente inspirado no aāga, uma prática em seis etapas que aparece na Maitrī Upaniad, um texto de 3500 anos de idade. Acreditamos que esta prática, aāga, só não é mais conhecida simplesmente por que não menciona nem lista posturas físicas de nenhum tipo. Isso não significa, necessariamente, que a postura não fosse importante, mas que talvez, por ser óbvia, não precisaria ser mencionada. O mesmo vale, tanto neste caso como no do sapta sādhana citado mais abaixo, para a ausência de uma prática separada de yama e niyama. Os seis membros do aāga da Maitrī Upaniad são os seguintes:
1. Prāāyāma: expansão da vitalidade,
2. Pratyāhāra: abstração sensorial,
3. Dhyāna: meditação,
4. Dhāraā: concentração,
5. Tarkā: questionamento, e
6. Samādhi: iluminação.
Estes dois modelos, por sua vez, deram lugar a vários outros, dos quais escolhemos aqui propositalmente o da Gheraa Sahitā, por ser o mais familiar para o praticante de Yoga contemporâneo, uma vez que a maior parte das técnicas que aparecem listadas nessa obra são bem conhecidas. As demais obras medievais de Haṭha Yoga, como a Haha Yoga Pradīpikā, o Dattatreya Yogaśāstra, o Yoga Yājñavālkya e outras, seguem igualmente esse mesmo modelo, com algumas pequenas diferenças nas listas, no número ou nos nomes das técnicas. Assim, as sete fases do saptasādhana são estas:
1. akarma: ações purificatórias,
2. Āsana: posturas psicofísicas,
3. Mudrā: selos para estabilizar a força vital,
4. Pratyāhāra: abstração sensorial,
5. Prāāyāma: exercícios respiratórios,
6. Dhyāna: concentração para a compreensão, e
7. Samādhi: iluminação advinda do autoconhecimento.
Iremos analisar, primeiramente, a maneira de integrar as diferentes técnicas com as atitudes e cuidados que precisamos ter para que a prática seja uma fonte constante de alegrias e descobertas nesse fascinante caminho que é o autoconhecimento. Conjuntamente, iremos elaborar sobre o propósito e lugar que cada uma dessas técnicas ocupa no panorama do Haṭha Yoga.
Para concluir, daremos algumas dicas para facilitar a prática. Cabe lembrar que estas dicas apenas complementam e não substituem, de maneira alguma, a instrução que devemos ter em sala de aula, em presença de um professor competente.

Uma prática em nove passos

1) Śānti paha.
Toda prática, assim como toda aula de estudo, tradicionalmente, começa e termina com uma invocação. Portanto, tanto a primeira como a última etapa deste modelo de prática é esse mantra propiciatório. Śānti paha significa “invocação da paz”. Tem alguns mantras muito simples, mas não menos eficientes para criar um ambiente adequado à prática.
Recomendamos os mantras de invocação da paz como, por exemplo, certos trechos do svāsti paha como este: loka samasta sukhino bhavantu (que significa “que todos os seres no mundo sejam felizes)”, precedido por algumas repetições do O, o som sagrado que aponta para o Ser.
Alguns praticantes preferem fazer apenas as repetições do O. Este mantra irá levar, no máximo, dois minutos e tem o intuito de trazer a atenção da pessoa para o presente, deixando de lado todas as possíveis fontes de distração. Fazer um mantra destes pode nos levar três a cinco minutos.

2) Nididhyāsanam.
É recomendável ter, em cada prática, uma reflexão ou tema, que possa pautar as escolhas e atitudes como, por exemplo, os valores essenciais do código de conduta: não-violência (ahimsā), veracidade (satya), simplicidade (hri), retidão (arjavam), capacidade de adaptação (kśānti), firmeza de propósito (sthairyam), ausência de egoísmo (anahakāra) ou outros.
Neste momento, que é, tecnicamente falando, o silêncio que precede ao mantra invocatório, é aconselhável igualmente parar por um instante para verificar o nosso nível de energia, bem como para determinar o tipo de esforço que idealmente, devemos aplicar na prática. Esta parte da prática, assim como o mantra inicial, é de uns três ou cinco minutos, podendo, se for o caso, estender-se um pouco mais.

3) akarma.
Como é sabido, o Hatha Yoga dá muita importância às ações de purificação. Neste ponto, escolha então uma das purificações, como a auto-massagem abdominal, os exercícios para os olhos, a limpeza nasal, etc. Esta parte da prática pode ser feita em pouco menos de cinco minutos. As seis ações purificatórias tradicionais são as seguintes:
1) Dhauti: a purificação do trato digestivo e outros processos, como a limpeza dos dentes, as gengivas e a garganta;
2) Vasti: a lavagem intestinal, usando água morna e salgada;
3) Neti: a limpeza nasal, feita com um pano ou com água salgada;
4) Nauli: a auto-massagem e tonificação abdominal;
5) Trātaka: a purificação do olhar através de exercícios que são verdadeiros āsanas para os olhos; e
6) Kapālabhāti: a limpeza das vias respiratórias.

4) Āsana.
Esta seção da prática pode levar até 40 minutos. A grande dúvida que pode surgir neste ponto é como montar uma série equilibrada de posturas. Na hora de escolhê-las, leve em consideração que uma prática corretamente balanceada segue uma combinação equilibrada destes três critérios seletivos: a correta escolha dentro de cada grupo postural, as cinco ações da coluna e as posturas do corpo em relação à força de gravidade. Lembre igualmente da permanência em cada āsana: posturas com maior estabilidade, como as sentadas ou deitadas, permitem uma permanência maior; posturas de equilíbrio num pé só, ou sobre as mãos e outras de estabilização ou força, geralmente mais exigentes, pedem uma permanência mais breve. Idealmente, uma prática balanceada inclui várias de cada uma dessas categorias.
I) Grupos posturais
a) equilíbrio,
b) estabilização articular,
c) flexibilidade articular,
d) fortalecimento muscular,
e) alongamento muscular, e
f) repouso.
Percebemos que alguns praticantes confundem a prática de āsana com uma espécie de alongamento passivo. Alguns professores, na mesma linda, dão excessiva importância ao aumento da flexibilidade e do alongamento. Porém, para que a prática seja equilibrada, é necessário que ela inclua, além de posturas de alongamento passivo, outras de estabilização, fortalecimento e repouso. Uma prática excessivamente centrada apenas na flexibilidade e no alongamento pode vir a produzir um corpo hipermóvel, mas não trabalha força nem resistência. Um corpo hipermóvel, sem estabilidade articular nem resistência, está sujeito a lesões.
II) Ações da coluna vertebral
a) extensão axial (tração),
b) lateralidade,
c) torção,
d) flexão, e
e) hiperextensão.
Estas são as cinco ações que uma coluna vertebral sadia é capaz de executar. Elas devem ser alternadas, mas não precisam ser feitas exatamente na ordem desta lista. Há, ainda, diferentes combinações dessas ações. Idealmente, antes de cada flexão, extensão ou torção, é necessário aplicar a tração, para ganhar espaço. Ao passar para a execução dessas ações, é preciso, na medida do possível, manter ainda esse espaço. A prática conjunta das posturas com os bandhas, as contrações de músculos e plexos como o mūla bandha (elevação do assoalho pélvico) e o uḍḍīyana bandha (recolhimento do baixo ventre), ajuda bastante a manter esse espaço.
III) Posturas possíveis do corpo.
a) posturas em pé,
b) posturas sentadas,
c) posturas deitadas, e
d) posturas de inversão.
Este último critério leva em consideração a influência da força de gravidade sobre o sistema circulatório. Por via de regra, começamos a prática em pé e a concluímos na postura de inversão, seguindo a ordem acima sugerida. Entre o início e o final, há dois grupos posturais: as posições sentadas e as deitadas. Cada grupo se faz seqüencialmente, de maneira e não precisemos, por exemplo, passar da postura e pé para a deitada, e logo sentar para ficar novamente em pé. Este modelo de prática balanceada de āsanas foi ensinado desta forma por Swāmi Śivānanda, de Rishikesh, em seu livro Haha Yoga, editado na década de 1940. Muitos professores hoje em dia seguem essa recomendação, por ser ela segura e lógica ao mesmo tempo.

5) Mudrā.
Talvez as mudrās sejam as práticas menos conhecidas do Haṭha. Sobre elas, a Gheraa Sahitā, que descreve 25 diferentes, afirma que “devem ser cuidadosamente guardadas em secreto”. Estas mudrās fazem parte daqueles procedimentos que certamente não são conhecidos nem praticados na maioria das versões de Hatha Yoga que vemos na atualidade. Ou, se fizerem parte, aparecem nas suas formas mais simplificadas. Talvez o caso mais conhecido dessa extrema simplificação (para não dizer empobrecimento da prática original) seja a viparītakaraī mudrā. Este é um nome usado apenas para descrever uma versão simplificada da inversão sobre os ombros, deixando de lado as visualizações da energia vital e o sutil trabalho realizado com ela. Outros exemplos são a yogamudrā e a mahamudrā.

6) Prāāyāma.
Prāāyāma é um termo que, literalmente, significa “expansão da vitalidade”. Claramente, os textos do Haṭha declaram que o objeto do prāāyāma não é o controle da respiração, como habitualmente ouvimos dizer, senão o comando da mente. A conexão entre a forma de respirar e a paisagem mental é bem conhecida: trabalhando sobre uma, indicimos na outra. Idealmente, o prāāyāma se faz logo após as posturas físicas e as mudrās. Um bom prāāyāma, para iniciantes, não leva mais do que 10 minutos. Neste modelo, colocamos o prāāyāma antes do relaxamento, mas ele poderia igualmente ser feito depois, junto com a meditação. A vantagem de colocar o yoganidrā entre essas técnicas é que evitamos uma permanência extensa demais na posição sentada. Se formos juntar os respiratórios com a meditação, a permanência na postura sentada será superior a meia hora. Isso, para algumas pessoas, pode ser muito difícil.

7) Yoganidrā.
A técnica de relaxamento, consiste em descontrair conscientemente, fazendo um parikrāma, ou seja uma circunvolução da atenção pelas diferentes partes do corpo, aplicando uma respiração específica, na qual a expiração é mais curta do que a inspiração, como acontece naturalmente no estado de sono profundo. Ainda dentro desta parte da prática, cabe repetir o sakalpa, a resolução interior, que pode ser trabalhada de maneiras diferentes. Para relaxar não é preciso fazer nada além de deitar em silêncio: basta-nos lembrar da paz que essencialmente somos, deixar o corpo imóvel numa postura bem confortável, suavizar deliberadamente a respiração e permanecer atento na quietude. Uma prática de relaxamento vai levar pelo menos 10 minutos, se não tiver muito tempo disponível. Idealmente, dedique um pouco mais de tempo a relaxar, mas sem se deixar escorregar para o sono!

8) Dhyāna.
Dhyāna é a técnica de contemplação por excelência. Meditar é escolher um tema e realizar uma calma e conscienciosa reflexão nele. Isso não é, evidentemente, “deixar a mente em branco”, senão ocupar a mente com pensamentos harmoniosos (sáttvicos), não como um fim em si mesmo, senão como uma maneira de estabelecer-se na auto-identidade, compreendida, como simplicidade, tranquilidade e plenitude. Cabe lembrar que as técnicas de meditação são muito diversas e que, idealmente, devemos escolher livremente, alguma com a qual nos identifiquemos. Ou, como diz o sábio Patañjali no Yoga Sūtra (I:39), devemos “meditar sobre um objeto que seja agradável”. A escolha da técnica meditativa pode estar em função do tema de reflexão que aplicamos ao longo da prática. Escolha uma técnica, aquiete o corpo e a respiração, e persevere nela por 15 a 20 minutos.

9) Śānti paha.
Este mantra pode ser o mesmo do início, ou outro da sua escolha. A “moldura” final do sādhana é tão importante quanto a inicial, uma vez que o intuito de ambas é o mesmo: chamar a atenção do praticante para o momento presente. Se, no início, o mantra indica algo assim como “agora, vamos ficar atentos, pois a prática está começando”, da mesma maneira, ao fazermos este mantra final, ele deve servir para nos lembrar que “agora é preciso ficar atento, pois a prática conclui-se aqui, mas a atentividade permanece”. Ao fazer um mantra, lembre sempre de manter presente seu significado. O tempo desta parte da prática, novamente, será de alguns poucos minutos.

Sete dicas importantes.
·       É necessário verificar se, no momento em que iniciamos, precisamos dar uma atenção especial a alguma parte do nosso corpo, à respiração ou à disposição interior. O corpo, a emocionalidade e o nível de energia mudam constantemente, e o nosso bom-senso precisa ouvir, interpretar corretamente os sinais dele, e adaptar o que for preciso.
·       Tenha sempre um plano de prática, mesmo que você vá adaptá-lo no andamento da prática, ou que não ele não seja usado. Não improvise. Use o bom-senso.
·       A correta escolha das técnicas, se for preciso, com a ajuda de um professor, é essencial, uma vez que elas não podem ser aprendidas somente lendo um texto.
·       Sobre a duração da prática: o tempo total deste modelo de prática é de aproximadamente 90 minutos. Se você não tiver esse tempo disponível esse tempo, poderá reduzir proporcionalmente a duração de cada parte da prática. Lembre que não existe prática ruim: a única prática inútil de Yoga é aquela que você não fez.
·       Certifique-se de sentir-se e estar à vontade na sala. Crie um ambiente adequado para praticar, que seja silencioso, onde você não será interrompido. Desligue o celular!
·       Não se force: não tente fazer sozinho aquilo que você não sabe ou não domina. Seja sempre cuidadoso e atento. Seja paciente e cauteloso, para evitar técnicas com as quais você não tenha familiaridade e que seu corpo, aparelho respiratório ou mente não estejam preparados para executar.
·       É preciso cultivar as boas maneiras na meditação, mesmo quando praticando sozinhos. A regra de ouro é: não se mexa. Porém, se mexer-se for inevitável, pelo menos não faça ruído. Dentro do possível, na postura de meditação você fica imóvel. Dentro do bom-senso, você cultiva o livre arbítrio. Se houver algum movimento, que seja silencioso.
·       Cultive também o estudo, a leitura e a amplitude de visão em relação ao Yoga em particular e à vida em geral.

Conclusão.
A atitude é mais importante que a técnica. Sem uma atitude correta, não poderemos colher os melhores resultados da prática de Haṭha Yoga. Praticar sem manter o foco no objetivo é perder o tempo. Praticar sem “fecundar” a prática com a visão do autoconhecimento é outra maneira de perder o tempo. A prática não é magia, no sentido que, pelo simples fato de repetir posturas, respiratórios, mantras ou meditações, moka não irá simplesmente acontecer. Essa questão é o tema de outro texto, disponível para leitura neste mesmo website. Pode lê-lo já de seguida em baixo.
Boas práticas e namaste!

Este artigo foi originalmente publicado nos "Cadernos de Yoga" e também no site www.yoga.pro.br. Pedro é professor de Yoga e Vedanta, reside no Brasil.

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SÁDHANA É ACERTAR O ALVO

Por Pedro kupfer






Este texto é a continuação do nosso artigo publicado recentemente, "Sua prática de Haṭha Yoga". O tema daquele texto foi a construção do sādhana pessoal. Dentro desse tema ainda, este texto versa sobre a importância de mantermos o foco no objetivo dessa prática individual e, ao mesmo tempo, aponta alguns caminhos para relacionar-se da melhor maneira com essas técnicas.

A palavra sādhana, que habitualmente traduzimos como prática pessoal, deriva da arte da guerra, dhanuśāstra, e quer dizer “ir direto ao alvo”. Em sua acepção original, obviamente, o termo se referia a uma flecha ou lança que acertasse seu objetivo. O uso da palavra se estendeu à espiritualidade: no Ṛg Veda, sādhana designa, da mesma forma, aquilo que nos guia para um objetivo ou, todavia, um ritual ou propiciação que atinge seu propósito.
Sādhana também significa fazer algo com perfeição e ainda, livrar-se de uma doença ou feitiço. Esse último sentido é especialmente importante para um praticante de Yoga, já a a prática pessoal deveria nos auxiliar no processo de nos livrar dos condicionamentos, que poderiam ser vistos, metaforicamente, como feitiços que ofuscam a compreensão e o bom-senso.
O termo sādhana, então, designa a prática pessoal. Em alguns contextos, esse termo se refere ao conjunto das práticas de Yoga, incluindo a implementação dos yamas e niyamas, as práticas de āsana, prāāyāma, mudrās e concentração, dentre outras. Noutros contextos, ela se refere apenas à meditação. Para o propósito deste texto, escolheremos a primeira acepção.
Todos já ouvimos falar da capital importância da prática pessoal no Yoga. Porém, acontece que, muitas vezes, praticamos conscienciosamente, mas sem ter muito claro o tal do alvo para o qual deveríamos apontar com essa prática.

Qual é meu alvo? Aonde devo mirar?
Havendo esclarecido a definição de sādhana, resta-nos definir o objetivo. O erro humano básico, inato e congênito, é que a pessoa é vista, através dos seus próprios olhos, como sendo incompleta ou deficiente. Isso é o que deve ser combatido: moka, então, é livrar-se desse erro. O curioso é que essa equivocação, que poderia ser definida como ignorância existencial, assume muitas formas diferentes, e isso nos confunde.
Acertar o alvo na prática, então, é escolher corretamente uma prática que de fato possa facilitar esse processo chamado moka. O paradoxo, que já colocamos mais de uma vez em textos anteriores nesta publicação, é que as ações, sejam de tipo que for, não podem nos proporcionar liberdade. Liberdade, neste contexto, não é o fruto de alguma ação, mas o fruto do autoconhecimento.
A ignorância é o alvo do yogi, já que ela é a causa do sofrimento. O sofrimento é o resultado do desejo de ser diferente do que se é que, por sua vez, é o resultado da ignorância existencial. O yogi deve aceitar o fato de que a ignorância precisa ser removida.
O Haṭha Yoga, a prática de āsanas, prāāyāma e meditação, ou o Karma Yoga, visto como agir desapegado e consciente, não removem a ignorância por si mesmos. Se não houver conhecimento envolvido nas ações, elas, sozinhas, não irão produzir liberdade. Então, para que a prática de Haṭha Yoga renda seus devidos frutos, ela precisa ser fecundada pelo autoconhecimento.
Noutras palavras, poderíamos definir a prática como um momento de reflexão no qual aplicamos os valores e o ensinamento sobre aquilo que somos. Uma prática sem a devida reflexão, certamente irá produzir efeitos psicofísicos positivos como a melhora na qualidade do sono, o aumento da capacidade respiratória, e o bem-estar geral. Mas esses são efeitos colaterais insignificantes, se comparados com o objeto que é moka.
Nas palavras de Swāmi Dayānanda: “Você não pode apagar um incêndio usando gasolina, só por que a gasolina é líquida como a água. Concluir que por ser um líquido, ela pode apagar o fogo, é equivocado. O fogo vai gostar desse alimento e o incêndio vai continuar, pior do que antes.
Não podemos nem devemos, então, realizar mais ações na esperança de que elas nos livrem da ignorância. Isso seria tão tolo como tentar apagar o incêndio jogando combustível nele. O único fator capaz de remover a ignorância, portanto, é o conhecimento.” Conclusão: meu alvo é me livrar da ignorância. É para isso que pratico.

Quem se liberta?
Esta pergunta deve ser igualmente respondida para esclarecer o propósito da prática pessoal. O Ser, sendo ilimitado, não precisa de liberdade: ele já é a liberdade da ilimitação. O Ser não precisa “alcançar” a plenitude: ele já é a plenitude. Então, não há moka para o Ser: ele já é moka.
O corpo físico, por sua vez, é um veículo. Independentemente de o usuário do corpo ter ou não ter moka, o corpo segue sua própria agenda e vence pontualmente no seu prazo de validade, apesar de que alguns praticantes têm a ilusão de que um corpo de yogi seja algo especial, diferente dos demais corpos humanos. Findo o prazo de validade, o corpo físico se desintegra. Isso significa que não há iluminação para o corpo material, independentemente do fato de que alguns poucos yogis conseguem uma longevidade superior ao século de vida, como foram os recentes casos dos mestres Kṛṣṇamacharya e Indra Devī.

“Meu mestre é jovem e bonito”.
Uma longa vida num corpo físico, por dilatada que seja, não pode ser confundida com eternidade. Se moka é livrar-se do senso de ser limitado, em moka nos conhecemos como o Ser, que é intrinsecamente livre das limitações espaço-temporais. Obviamente, não estamos falando de eternidade no sentido físico, já que o que é eterno ou ilimitado não está condicionado pelo tempo-espaço.
Assim como há gente que acredita no paraíso, também há praticantes que assumem como verdadeiro o mito de que alguns yogis teriam a capacidade de viver por milênios no mesmo corpo físico. Uma vez, ao comentar com alguém que meu mestre, Swāmi Dayānanda, aos seus 80 anos de idade é diabético, tem uma cardiopatia e não enxerga muito bem, a pessoa me respondeu: “ah, mas eu não queria um mestre que ficasse doente!”
Ou seja, esta pessoa desde aquela ilusão de que os iluminados não adoecem e ainda, tinha a crença de que saúde e realização pessoal devem andam necessariamente juntas. Assim, descartou aí mesmo a possibilidade de aprender com um ancião muito sábio (com uma rara lucidez, e que ainda faz ótimas piadas!), julgando a qualidade do professor pela saúde do seu corpo físico.
Concluir isto é como cair naquela velha armadilha da política brasileira sobre o candidato jovem e bonito. A pessoa que escolhe seu próprio mestre pela saúde ou aparência física corre o risco de ter confiscada sua “poupança espiritual”, com aconteceu com o dinheiro dos que votaram (e ainda, a poupança dos que não votamos!) naquele ex-caçador de marajás.
Então, por mais que usemos metaforicamente a expressão “iluminar o corpo”, a verdade é que não há iluminação para ele. Que mais nos resta, na lista dos candidatos a moka dentro do complexo corpomente, uma vez descartados o Ser e o corpo material? O que sobra são os corpos sutil e causal, sūkma e karaa śarīra. Para esses sim, há moka. Então, moka é a libertação desses dois corpos, o sutil e o causal.
O corpo sutil é aquela associação de inteligência, ego, mente, vitalidade e órgãos sensoriais e de ação, ānendriyas e karmendriyas. O corpo causal é aquele que determina os nascimentos e traz o registro dos prārabdha karmas, os karmas que devem ser trabalhados a cada encarnação. Liberdade é, neste contexto, eliminar o senso de limitação que mencionamos acima. Nada mais. É um processo gnosiológico, que não envolve nenhuma outra mudança física ou energética.

A prática é para os corpos sutil e causal.
Cada um de nós tem uma diferente combinação de karmas que vai determinar um tipo diferente de corpo e uma série de processos aos quais esse corpo estará sujeito. Cada nascimento, em cada lugar, determina a exposição a diferentes elementos: nascer ou (escolher) viver num lugar frio ou quente, seco ou úmido, determina o tipo de relação que iremos ter com a natureza. Cada situação pontual responde a um tipo específico de karma. Agora, você e eu nascemos nestes corpos que chamamos nossos.
Diz um Śāstra que, dentre os diversos nascimentos, o mais difícil de se obter é o humano, pois a conjunção das diferentes combinações que produzem este tipo de nascimento são raras e preciosas. Esse já seria um motivo para não desperdiçar o tempo que nos é dado nesta vida. Outro motivo é o bom-senso. A ideia de não desperdiçar a vida inclui, evidentemente, a correta escolha da nossa prática pessoal.
Definido então o propósito da prática, já temos em mãos elementos suficientes para perceber que uma prática que esteja centrada unicamente no corpo poderá, de fato, prolongar a nossa longevidade e nos dar mais saúde. Se assumirmos como correta a constatação de que não há libertação para corpo material, então, a prática deveria incluir bastante mais do que apenas posturas e relaxamento, já que um sādhana unilateral desse tipo nunca irá nos levar a moka.
Portanto, precisamos olhar para aquilo que chamamos de prática pessoal de Yoga desde uma perspectiva mais ampla, embora essa não seja a visão preponderante nos dias atuais, em que muita, mas muita gente, pensa que Yoga seja apenas a prática dos āsanas e, no máximo, o relaxamento.
Dentre a miríade de técnicas que compõem a aljava de recursos do Yoga, destacam-se, para o hahayogi, o āsana, o prāāyāma, as mudrās e as técnicas de concentração e meditação. Um lugar central, embora nem sempre evidente, é ocupado pelas atitudes, yamas e niyamas, que fazem parte do código de conduta dos yogis.
Técnicas auxiliares a elas são os mantras invocatórios, que servem como molduras inicial e final para a prática, os bandhas, dṣṭis e visualizações.
Outros recursos importantes, aplicados fora da sala de práticas, são a dieta vegetariana e um estilo de vida em que o princípio áureo da não-violência esteja sempre presente. Isso inclui atitudes como o consumo consciente, a dedicação de alguns momentos do dia a ações centradas no bem-estar coletivo e outras que fazem parte da cultura do Yoga.

Estratégia.
Uma vez estabelecido o propósito inicial e definido o objetivo final, falta-nos dizer ainda uma palavra sobre a forma de agir durante o sādhana. A forma de praticar, considerando que as ações sozinhas não produzem a liberdade que estou buscando, deve incluir uma atitude interior, bem como realizar um processo que consta de três fases, conforme ensinado na Bhadāraṇyaka Upaniad: śravaṇam, manaṇam e nididhyāsanam. Destas três, a primeira é aquela na qual nos expomos ao ensinamento das Upaniṣads que indicam que eu já sou a plenitude que estou buscando, conforme indica a grande sentença védica tat tvam’asi, “tu és Isso”.
Essas afirmações védicas que apontam para a natureza do Ser devem ser aprendidas de um professor. Quando nos expomos ao conhecimento, o professor torna-se um veículo para ele, já que o ensinamento é transmitido por ele. Por isso, ele não pode ser obtido apenas por livros. Śravanam, diferentemente de estudar por livros, em que há certas ações envolvidas, não envolve esforço da parte do estudante, assim como não há esforço, quando nossos olhos enxergam bem, em observar os objetos que nos rodeiam. Śravanam quer dizer literalmente “escutar [o ensinamento das Upaniṣads]”.
No entanto, se persistir alguma dúvida, eu não terei a visão de mim mesmo como alguém pleno, assim como, se houver alguma dúvida sobre se um cabo elétrico está ligado à rede, não o tocarei, pois não quero correr o risco de levar um choque. Manaṇam é, então, esse processo através qual elimino todas as dúvidas, pois não posso passar para a próxima etapa, a contemplação, nididhyāsana, se não souber sobre o quê meditar. Manaṇam pode ser traduzido como “questionamento [para esclarecer as dúvidas]”.
Por sua vez, esta terceira etapa que é a contemplação serve para sedimentar o conhecimento e a visão em mim. Dessa última fase, o primeiro passo é upāsana, a meditação sobre os valores, que me permite preparar o terreno, por assim dizer, para fazer posteriormente as contemplações yogikas propriamente ditas. Nididhyāsana quer dizer “reflexão [sobre que já se sabe de si mesmo]”.
A prática de Haṭha Yoga inteira entra neste último momento do processo, e é desde esta perspectiva que deve ser olhada. Noutras palavras, toda a qualquer prática de Haṭha Yoga, do āsana ao yoganidrā, do prāāyāma à mudrā, são, ou deveriam ser, formas de reflexão sobre aquilo que já se conhece sobre si mesmo, nididhyāsana. Isso significa, dentre outras coisas, que não é recomendável praticar sem estudar, assim como não é recomendável estudar sem praticar.
O Viṣṇu Purāṇa é um antigo texto que compara o estudo e a prática com os nossos dois olhos. Sem ambos os olhos abertos, não é possível se ter uma visão cabal da realidade, uma vez que se perde a profundidade: “Do estudo deve-se passar ao Yoga. Do Yoga deve-se passar ao estudo. Pela perfeição no estudo e no Yoga, a Consciência Suprema se manifesta. O estudo é um dos olhos com que se percebe o Ser. O Yoga é o outro.” VI:6.2.
Para aqueles que acham que o Vedānta é apenas uma “filosofia teórica” que sofreu uma espécie de casamento forçado com o Haṭha Yoga, cabe lembrar da importância dada por exemplo, no Dayānanda Ashram, de Rishikesh, uma das instituições mais tradicionais de ensino de Vedānta, às práticas de prāāyāma e meditação, conduzidas pelo próprio Swāmijī cedo pela manhã, bem como às práticas de āsana e relaxamento, ministradas diariamente por professores de Haṭha Yoga para ajudar no processo de compreensão do ensinamento, uma vez que elas possibilitam que o corpo permaneça sentado com conforto nas longas horas de estudo, além, é claro, de manter a pessoa focada, com mais saúde e melhor disposta para receber o ensinamento.
Se essas técnicas não fossem importantes, como afirmam alguns “yogis de sofá”, não estariam tão presentes no cotidiano desse mosteiro, que é um dos mais tradicionais para o ensino do Vedānta na Índia. Feitas estas precisões, passemos então aos aspectos práticos da construção do sādhana pessoal.

Reflexão na prática?
Que significa fazer nididhyāsana ao praticar? Seria por ventura “pensar na vida” enquanto se pratica? Significa deixar a mente vagar por assuntos “profundos” enquanto realizamos nossos respiratórios ou mantras? O yogi exerce o nididhyāsana na prática da mesma forma que qualquer ser humano naturalmente se extasia perante a natureza, a imensidão do firmamento, o nascimento de uma criança ou ao completar uma cura.
A Śvetaśvatara Upaniad começa colocando estas questões: “Qual é a nossa origem? De onde nascemos? Por que vivemos?” Essas perguntas estabelecem o início de toda jornada pelo autoconhecimento. A contemplação é um elemento fundamental da condição humana. Basicamente, refletimos porque somos humanos.
Percebemos o corpo desde dentro dele. No nididhyāsana, o corpo não é visto como um objeto qualquer, mas como o lugar no qual acontece a vida, uma expressão de Samaṣṭi, o Todo. Na visão não-dualista, o físico é a corporificarão do Ser, e não existe sem ele. O corpo humano não é uma máquina feita de matéria inconsciente animada pela mente, mas uma realidade vital animada pela presença do Ser que, aliás, está em todos os aspectos da criação.
Como Ser corporificado, esta estrutura física, viva e consciente, se vincula com o mundo. Tocar é ser tocado. Abraçar outra pessoa é ser abraçado por ela. O abraço não é o contato físico de dois corpos, mas o encontro de dois seres vivos. E, quando dois seres se encontram, não há duas dualidades corpo-mente tocando-se. Se você vive como Ser no corpo vivo, não há dualidade corpo-mente.
A separação surge quando olhamos para a vida desde a identificação com os desejos e aversões do ego. O Ser não é limitado por tempo ou espaço. O corpo, por seu lado, sim, tem evidentemente limitações. Essas limitações são dinâmicas e têm seu próprio ritmo, pautado pelos processos de crescimento, aprendizado, fortalecimento, maturidade, doença, envelhecimento e morte física.
As práticas do Yoga aprofundam a “relação” (se podemos falar numa), entre o Ser e o corpo, no sentido que, ao ampliar e enriquecer a mobilidade física e respiratória fica mais fácil compreender a si mesmo como alguém que não se restringe à experiência corpórea. Aumentar a mobilidade não é algo que apenas acontece no espaço físico ou vital; a expansão do corpo é o próprio espaço físico, crescendo.
Sabemos que as experiências, prazerosas ou não, ficam alojadas de forma dinâmica nos tecidos corporais e na mente subconsciente. O medo de repetir as experiências vinculadas com dor o sofrimento restringe os movimentos físicos, respiratórios e energéticos, criando padrões de tensão crônica.
A prática de āsana e prāāyāma, dentre outros benefícios, pode ajudar a dissolver essas couraças e apagar esses registros dos nossos ossos, músculos e nervos. Essa qualidade da prática cria uma nova visão, através da qual permanecemos em contato com essa pessoa simples e tranquila que somos.
Ao praticar, deixamos de lado todas as tarefas cotidianas. A prática acontece num espaço reduzido: basicamente, um pequeno tapete estendido no chão. Não há nenhum deslocamento físico para além desses limites. No entanto, dentro desse espaço, investigamos com o corpo todas as direções possíveis, observando conscientemente os padrões respiratórios e de mobilidade, e as eventuais dificuldades ou facilidades. Observando esses padrões, identificamos possíveis bloqueios ou cicatrizes e reconhecemos os sinais que as experiências passadas deixaram impressas no corpo.
Respiramos através do fácil e do difícil e reconstruímos a visão de nós mesmos como entidade vivente, plena e simples, nascida pela presença do Ser. Desta forma, investigando conscientemente movimento, permanência, respiração e auto-observação, eliminamos todos os obstáculos que os hábitos inconscientes e as experiências passadas impõem à nossa espacialidade e, conseqüentemente, à nossa mente. A prática, assim, cumpre seu propósito como um momento para a reflexão sobre aquilo que somos.
Boas práticas e namaste!

Este artigo foi originalmente publicado nos "Cadernos de Yoga" e também no site www.yoga.pro.br. Pedro é professor de Yoga e Vedanta, reside no Brasil.