segunda-feira, 31 de maio de 2010

Pranayama vêdico



Por Pedro Kupfer


Este pranayama se faz combinando a respiração completa alternada (nadhi shodhana) com a recitação mental de uma seqüência de três mantras vêdicos, um para cada fase da respiração.

A cada fase, faz-se uma visualização da força vital, ascendendo desde o chakra básico (muladhara) até o coronário, no topo da cabeça (sahasrara). O exercício começa inspirando pela narina esquerda e conclui-se expirando pela mesma. Idealmente, mantenha as costas eretas, o corpo relaxado, e a contração suave porém contínua do assoalho pélvico e o baixo ventre (mula e uddiyana bandhas). Habitualmente, esta prática, de maneira muito abreviada, é feita no início dos pujas, os rituais de adoração. Os mantras Gayatri e Apo jyoti pertencem ao Rig Veda.

Se quiser as instruções detalhadas sobre como fazer o nadhi shodhana, clique aqui:
http://www.yoga.pro.br/artigos/583/108/nadi-shodhana-o-pranayama-nas-escrituras-classicas-do-hatha-yoga


Pranayama vêdico

1 - inalação

2 - retenção com ar

3 - exalação

1
Om bhur

Om bhuvah

Om svah

Om manah

Om janah

Om tapah

Om satyam

2
Om tat Savitur varenyam bhargo devasya dhimahi dhyo yo nah prachodayat

3
Om apo jyoti raso amrtam Brahma bhur bhuva svar Om

1
concentração ascendente nos sete chakras, a partir da base

2
visualização da luz no alto da cabeça (sahasrara chakra)

3
visualização da luz descendo de volta para o chakra básico

Tradução livre destes mantras:

As sete dimensões estão permeadas por Brahman, a Pura Consciência. O mantra sagrado Om é a base, que tudo sustenta. Que a Pura Inteligência ilumine nossas mentes, conduzindo-nos no reto caminho. Brahman é a água, presente nos rios e mares, na luz do fogo, no sabor dos alimentos. Brahman é a essência de tudo, e é revelado através dos Vedas e do mantra Om.

sábado, 22 de maio de 2010

Pláviní e Kevala Kúmbhaka, o pránáyáma nas escrituras clássicas do Hatha Yoga


Pláviní é o pránáyáma com deglutição de ar e o último indicado na Hatha Yoga Pradípíká.
Miguel Homem
16-04-2010




Como de costume, segue-se uma descrição simples:

a) Inspirar, engolindo o ar como se fosse água ou comida.

b) Encher assim o estômago de ar (é normal que inche), mantendo-o ali, evitando qualquer movimento do corpo.

c) Quando a sensação do estômago cheio de ar existir, então expirar arrotando.

Ensina-se que neste pránáyáma a inspiração pode ser feita tanto pela boca quanto pelas narinas. Existe ainda uma outra variação em que o ar é feito sair pelo ânus. Convenhamos que não é o pránáyáma mais simpático para se fazer na sala de aula ou mesmo em casa, acompanhado.

O mais provável é que nunca se tenha cruzado com este pránáyáma nas suas práticas guiadas até ao momento e provavelmente nunca se venha a cruzar. Avança-se, no entanto, que o pláviní alivia gases e acidez no estômago, assim como alivia a sensação de fome e sede durante a prática de jejuns. Experimente, dê-se à prática e avalie por si à boa maneira do Hatha Yogi.



Vejamos então o que nos diz a Hatha Yoga Pradípíká II, 70 [1]:

“Com os pulmões completamente cheios de ar, o yogi pode flutuar facilmente sobre as águas, como uma folha de lótus.”

Como é hábito em alguns versos dos Shástras, o texto pouco acrescenta. Ficamos a saber que aquele que domina este pláviní é capaz de flutuar sobre as águas. Para aqueles que não encontraram, ainda, um professor competente e com a mestria deste pránáyáma, existe sempre a alternativa de flutuar sobre as águas em shavásana, boiando à boa maneira tradicional

Os outros textos clássicos do Hatha nada acrescentam sobre o pláviní. A Hatharatnávalí parece fazer-lhe uma menção ainda que sob o nome bhujangíkaranam mudrá [2], mas sem nada de novo.

Com este pláviní concluímos o périplo pelos principais pránáyámas citados nos textos clássicos do Hatha Yoga, incluindo os oito kúmbhakas (retenções) da Hatha Yoga Pradípíká.

Os textos dividem as retenções do prána em sahita e kevala. A primeira é acompanhada de inspiração e expiração. A segunda acontece sem o acompanhamento da respiração física. Diz-se, então, ser o resultado da respiração subtil. O kevala não é o resultado de uma acção física específica, de um esforço consciente, mas antes acontece por si mesmo, sem razão aparente. Este kevala surge frequentes vezes em meditações mais profundas. A respiração física e mecânica cessam, mas o praticante não sente falta de ar. Segundo a explicação subtil do Hatha Yoga, o kevala acontece quando o prána para de circular por ídá e pingalá e passa a circular por sushumná nádí que, entretanto, entra em actividade. E acontece quando a absorção e contemplação na meditação são intensas e imperturbadas.

Diz-se na Hatha Yoga Pradípíká II, 72 [3]:

“Kevala é um kúmbhaka independente de púraka e rechaka durante o qual se retém o prána sem esforço algum; enquanto não se dominar totalmente o kevala kúˆbhaka deve-se praticar sahita.”

Os textos são prolixos em louvar este kevala kúmbhaka. Vejam-se a este propósito a Gheranda Samhitá V, 84-96.

Este ênfase colocado no kevala aponta para a importância dada ao pránáyáma dentro da tradição do Hatha Yoga. Enquanto que no Rája Yoga a mente e o chitta shudhhi são trabalhados tendo como alavanca a mera força de vontade, o Hatha Yogi vale-se da manipulação do prána para o chitta vrtti nirodhah.

Não é difícil perceber a ligação intrínseca entre a respiração e a mente. Basta perceber a diferença quando senta para meditar depois de uma prática de Hatha bem conduzida ou quando senta, sem mais, para meditar. No primeiro caso, facilmente se nota que a mente já foi conduzida para um estado de aquietamento conducente à meditação e contemplação. Já no segundo caso, o esforço é, regra geral, bem maior.

Esta relação entre a mente e o prána é tal que o próprio Ádí Shankaráchárya declarou no seu Aparokshánubhúti (118): “A cessação de todas as modificações da mente pela habilidade de ver todos os estados mentais como chitta, como sendo apenas brahman, é chamada de pránáyáma”.

O pránáyáma é um dos maiores presentes da Índia para nós, não só para a qualidade de vida de cada um, mas sobretudo para aqueles que se dedicam ao nobre ideal da Libertação. Infelizmente, o ásana cada vez ocupa mais espaço e tempo dentro das aulas, e esta prática tão mais subtil vai-se perdendo e com ela, perde-se a ligação à meditação. Respire e respire conscientemente. Faça uso dessa ferramenta que é o pránáyáma!



“O ar tece o Universo”[4]

“A respiração tece o homem”[5]

[1] Svátmáráma Yogendra, Hatha Yoga Pradípiká, Tradução de Pedro Kupfer, Instituto Dharma-Yogashala, 2002, Florianópilis, Brasil.

[2] Shrínivásayogí, Hatharatnávalí, Tradução de Dr. M. L. Gharote, Dr. Parimal Devnath e Dr. Vijay Kant Jha, Lonavla Yoga Institute, 2002, Lonavla, Índia, pag. 52 e 53. Tradução para o português do autor.



[3] Svátmáráma Yogendra, Hatha Yoga Pradípiká, Tradução de Pedro Kupfer, Instituto Dharma-Yogashala, 2002, Florianópilis, Brasil.

[4] Brhadáranyaka Upanishad, III: 7.2

[5] Atharva Veda, X: 2.13

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Hare Krishna e uma prática de kirtan

por Ana Sereno


Foi na quarta-feira à noite, véspera da folga, que pela primeira vez se cantou o popular mantra a Krishna. O Miguel sugeriu o “tema” e, como tal, foi ele a puxá-lo, enquanto todos nós nos propusemos a responder. Estávamos poucos na sala, pelo menos não tantos como era habitual, uma vez que muitos dos participantes haviam partido. Uma noite tranquila na Quinta das Águias, o silêncio habitual, pontuado aqui e ali pelo ladrar de uma cadela ou do limão, pelos passos de alguém que caminha na escuridão, por algum animal não identificado que se esconde no bosque.

E círculo, na sala de prática, vamos preenchendo o silêncio com o mantra. Os instrumentos assumem posições, afinam-se notas e escalas, encontram-se ritmos e cadências e, sem darmos conta, estamos a ser arrastados na corrente de sons e palavras que nos levará até aos mais profundo canto da nossa existência. Enquanto alguns optam por fechar os olhos, aprimorando a audição, filtrando a vibração energética produzida pelo kirtan através dos ouvidos, outros escolhem manter os olhos bem abertos e com eles sorrir aos outros, alimentando de forma contagiante a torrente de energia.

Á medida que o volume vai subindo, que o ritmo vai acelerando, que o Miguel vai abrindo mais e mais o seu coração, todos nós vamos permitindo também que os nossos corações se abram, que pensamentos e emoções se alinhem com ele, buscando uma comunhão com o divino que reside dentro de cada um que participa naquele momento e que existe, em última instância, em todo o lado, a qualquer momento.

Os sorrisos estampados nos rostos, o brilho que efulge nos olhos, o calor que vai penetrando a pele são os sintomas comuns de quem, por breves instantes, recebe aquele lampejo de moksha, aquela sensação de plenitude na qual não queríamos que nada fosse diferente, de que tudo é exactamente como devia ser. E assim, naquela quarta-feira à noite na Quinta das Águias, em Paredes de Coura, quem ali estava na sala de prática era um só e apenas um só, uma só e a mesma realidade plena, uma só e uma única consciência. Cada papel, cada ego, cada emoção, cada problema, cada conquista, tudo se dissolveu naquele momento em que, no “pico” do kirtan, todos nos elevamos acima da nossa existência manifestada até à fonte de todo o reflexo – a própria consciência. Foram breves momentos, eventualmente reduzidos a breves segundos, provavelmente nem foram simultâneos, mas certamente, durante aquela meia hora em que preenchemos o silêncio da noite com aquele Hare Krishna, cada um de nós percebeu a razão de ali estar, encontrou a explicação que justifica a nossa busca neste momento, a nossa dedicação ao auto-conhecimento, a nossa devoção ao dharma.


Este texto foi escrito no âmbito de um relatório de observação durante a Formação em Yoga com o professor Pedro Kupfer em Agosto de 2009.

terça-feira, 18 de maio de 2010

O EGO DO PROFESSOR DE YOGA, Simão Monteiro

Esta reflexão resulta de uma observação atenta de mim mesmo como praticante e professor de Yoga nos últimos 8 anos e meio. Boa parte deste texto é autobiográfico, coisas que fiz, que faço, outras que já melhorei e outras tantas que tenho que melhorar. Aqui e ali juntei características e aspectos de outros professores que tenho observado no diverso mundo Yogi da actualidade.


Eu sou professor de Yoga!

Hoje em dia existe um número crescente de praticantes de Yoga, nomeadamente no Ocidente. E com isso sobe também o número de instrutores, professores e mestres. Encontramos todo o tipo de oferta para a pessoa que se quer tornar professor desta bela e antiga cultura que é o Yoga. Mas será que todos os que se tornam professores têm consciência daquilo que representa ser professor de Yoga?

Facilmente uma pessoa pode tirar um curso de um mês, uma semana e até um fim-de-semana e tornar-se num “professor” de Yoga. Qualquer pessoa, mesmo sem qualquer ideia do que seja o Yoga pode, em pouco tempo, estar a ensinar a uma outra. Muitas dessas pessoas, descontentes com a sua profissão, acham no Yoga uma oportunidade para salvar a sua vida. Mas, uma coisa é praticar o Yoga e outra é ensiná-lo!

Então temos por aí muito boa gente ensinando com pouquíssima prática, algum conhecimento de técnicas e quase nada do contexto e tradição. Falta, em muitos casos, a presença de alguém que a acompanhe e ensine, a prática, o amadurecimento, os valores, etc. Mas falarei sobre isso mais adiante.

O problema surge quando o professor de Yoga se acha o máximo apenas por isso mesmo, ser professor de Yoga. Aí começa a história do ego do professor de Yoga. O ego é algo importante na nossa vida, no sentido que é através dele que o indivíduo estabelece relações com os demais indivíduos. O ego em si não é um problema, um ego inflado sim. Um ego inflado de um professor de Yoga leva-o a pensar que é um ser especial e superior aos demais. Quando alguém lhe pergunta o que ele faz (ou mesmo quando não lhe perguntam) ele exclama aos quatro ventos: Eu sou professor de Yoga!

Lembremo-nos que um professor, mesmo tratando-se de um real professor de Yoga, é apenas um praticante dedicado com alguma experiência num assunto, não é um mestre, ainda tem caminho para percorrer. Essa arrogância que é verificada em muitos professores advém de uma identificação com esse papel, o de professor. Quando o professor de Yoga é também vegetariano pode tornar-se duplamente arrogante com os outros, ao considerar que também o facto de comer vegetais é sinónimo de pessoa mais iluminada.

Relembro aqui uma frase que gosto muito do professor Iyengar: “Quando passamos a sentir-nos apartados dos outros ou superiores a eles, mais puros ou mais elevados por causa do Yoga, é certo que entrámos na calmaria ou estamos à deriva, sendo arrastados de volta a um estado de ignorância”.



O professor sabe-tudo

Dentro da comunidade “Professor de Yoga” encontramos de tudo. E uma dessas categorias é o professor “sabe-tudo”. O professor sabe-tudo é aquela pessoa que, por saber de Yoga, pensa que o Yoga pode ajudar toda a gente por exemplo. Esta pessoa aventura-se em áreas delicadas, como lidar com pessoas com doenças mentais, problemas graves de saúde, entre outros, pensando que o Yoga as poderá salvar. Ora, lembremo-nos que o Yoga serve para nos ajudar no nosso caminho para moksha, a libertação, tudo o resto é secundário. Os efeitos terapêuticos do Yoga são reais, mas esse não é o seu objectivo principal e para além disso, para se praticar Yoga são necessárias vontade e consciência por parte do praticante, senão que raio de Yoga estará a fazer?

Porquê querer que o Yoga sirva para tudo? Para quê querer levar o Yoga a todas as pessoas, mesmo àquelas que não o pedem nem têm capacidade para tal? Para quê metermo-nos em áreas que já têm especialistas, pessoas que se dedicam àquilo? Porque não nos concentramos naquilo a que o Yoga se propõe? Será que não é suficiente?

Porque esse professor de Yoga (o do ego inflado) quer protagonismo. Pensa que por saber meia dúzia de ásanas e pránáyámas pode ajudar todas as pessoas. Pode-se pensar que tem boas intenções por querer ajudar o outro mas, na realidade o que o move é a sua auto-promoção e por vezes inocência misturada com ignorância e teimosia, também.

Provavelmente é aquele mesmo professor que gosta de ser o centro das atenções numa conversa. Fala muito, não consegue estar em silêncio e ouvir os demais, quer expor todos os seus pontos de vista (que são muito válidos pois afinal ele é professor de Yoga), fala, fala e fala, das “suas” teorias, das “suas” descobertas, das “suas” façanhas, dos “seus” alunos, das suas aulas, dos cursos que dá, dos eventos que realiza…

O professor sabe-tudo é também aquele que, estando a praticar numa aula ministrada por um outro professor, gosta de olhar para os outros enquanto praticam. Mas ele não se limita a dar uma espreitadela, ele olha com os olhos de professor, não com os de praticante que deveria ser naquela altura, para ver o que a turma está a fazer. Muitas vezes ele ainda se aventura a corrigir os alunos, a dar dicas, a parar sua prática para ir mexer em alguém ou mandar opiniões para o ar. Ele simplesmente não consegue largar o papel de professor, não consegue apenas praticar descansado e concentrado. É uma situação chata, pois tanto o real ministrante como os demais praticantes sentem-se incomodados com aquele intruso, que não é nem praticante nem o professor daquela prática (ou palestra, ensinamento, etc.).


Tenho muitos livros, um certificado passado na Índia e consigo colocar o pé atrás da cabeça!

Existem professores de Yoga que gostam de acumular livros sobre Yoga nas prateleiras de sua biblioteca. Vão comprando e comprando com a esperança de nalgum dia poderem lê-los ou simplesmente porque ter muitos livros, pensam eles, já é sinónimo de conhecimento. E quem diz livros, diz todo o tipo de material relacionado com Yoga, cd’s, dvd’s, etc…

Outra situação que pode inflar o ego do professor de Yoga é uma viagem à Índia. Muita gente vai para a Índia em busca de um certificado passado lá por um “guru” qualquer, para depois voltar e poder dizer que praticou Yoga na Índia com um indiano, como se a simples viagem à Índia fosse sinónimo de evolução.

Nos últimos anos o Yoga vem ganhando cada vez mais adeptos e muito se deve ao aspecto mais superficial da prática, o ásana. Grande parte dos praticantes, especialmente no ocidente, baseia a sua prática de Yoga na parte corporal. Desenvolveu-se todo um arsenal de posturas e acessórios para realizar as posturas na perfeição e ficou esquecido a parte da meditação, do ensinamento, dos valores e da tradição. Vê-se grandes executantes de ásanas, dedicando-se anos e anos a aperfeiçoar o alinhamento do dedo mínimo do pé, um centímetro mais aqui ou mais ali. Metem o pé atrás da cabeça mas tropeçam nos yamas e niyamas.

Eu reparo que a maior parte desse pessoal vai ficando cada vez mais quadrado, mais viciado e fechado naquilo, vivendo para aperfeiçoar o seu corpo, tentando ganhar a todo o custo (mesmo de lesões) mais uns centímetros de alongamento, mais força, alimentando seu ego, obcecados com a forma ou na esperança de ter um corpo imortal. Temos por aí professores muito bons a realizar posturas mas ao mesmo tempo fora do contexto do Yoga, longe daquilo a que o Yoga se propõe, longe do conhecimento.

Falta humildade e simplicidade nos professores de Yoga. Chega a um ponto em que deixam de praticar com outros professores. Muitos rejeitam a ideia de um mestre que os possa ensinar e ajudar no caminho para moksha. Eles acham-se sabedores. Muitos simplesmente param de aprender, estagnam, ficam demasiados orgulhosos para se “submeterem” ao ensinamento de alguém. “Quem é esse professor para me ensinar?” dizem eles.

Ao professor quadrado falta-lhe adaptabilidade e aceitação, de si mesmo e de tudo o que o rodeia. Gosta de criticar as pessoas (não yogis, ou yogis de outra espécie), o sistema e o mundo em geral. É aquela mesma imagem de alguém todo alternativo e contra o sistema mas bebendo Coca-Cola e fumando Marlboro. Se vai a uma aula em que lhe seja sugerido algo diferente (digamos apoiar a mão em cima de um bloco num trikonásana), torce-se todo por dentro, evita fazer e se tiver mesmo que fazer o seu orgulho fica ferido, como se usar um bloco fosse sinal de deficiência. É o mesmo professor que não gosta de ser corrigido ao praticar, espera sempre que a sua prática seja perfeita e suas palavras repletas de interesse. Sente um arrepio na espinha e uma irritaçãozinha quando alguém lhe põe as mãos em cima para o ajudar.


Uma marca chamada Yoga

Com a crescente proliferação do Yoga no ocidente, surgiram todo o tipo de métodos. Existe Yoga para tudo, para homens, mulheres, crianças, bebés, cães, gatos, empresários, desportistas, homossexuais, pessoas assim e assado, todos os estilos, todas as formas… mistura-se tudo, Yoga com Pilates, com surf, com tai-chi, com dança, com religião, com massagens… Hoje o Yoga é um ingrediente fundamental na salada russa da moderna espiritualidade ocidental.

Então o Yoga termina sendo um produto, uma marca, e muito rentável por sinal. E como vivemos num mundo competitivo e porque faltam coisas fundamentais na formação do professor de Yoga, este tende a tornar-se competitivo também. Mais dia menos dia terá que inventar o “seu” Yoga, inventando novas técnicas, novas acrobacias, coisas arriscadas e espectaculares de preferência. Métodos “secretos” de meditação e iluminação que só podem ser passados a alguns em retiros de iniciação para pessoas avançadas (aqueles que têm mais dinheiro para pagar).

Esse tipo de professor é aquele que gosta de aparecer na TV, nos jornais, em tudo que mexa com exposição pública, para poder vender melhor o seu produto, o Yoga. Esse professor torna-se num empresário, veste fato e gravata se for preciso, passa o dia a distribuir flyers na rua e a pensar em novas maneiras de atrair clientes. Porque para ele e para que o negócio do Yoga renda, os alunos não passam de clientes.

E com toda esta competição aberrante têm que se formar mais instrutores, para que estes alimentem os que estão mais acima na pirâmide. E ao formarem-se mais professores (e na maioria dos casos professores sem base, sem estrutura), mais difícil é arranjar trabalho, e quando isso acontece o professor sujeita-se a qualquer coisa. Trabalha em dez locais diferentes, passa o dia a viajar de um lado para o outro, deixa de fazer a sua prática pessoal, deixa de estudar, não tem tempo para nada, apenas para fazer uns gestos mecânicos ao som de música new age.

E é aí que surge a conversa do: “Meu Yoga é melhor que o teu, é o mais completo, o mais perfeito, o mais antigo!”. “O meu mestre é o melhor e o mais iluminado do mundo”. O que resta do Yoga? Daquilo que representa o Yoga? Nada, ou quase nada. Os valores perdem-se, alimentam-se as diferenças e as guerras de personalidade. E o pior de tudo é que isso é transmitido aos praticantes de Yoga, àquelas pessoas que de forma genuína buscam o verdadeiro Yoga.


Os equívocos e as distracções

Sempre penso que muito daquilo que tenho estado a escrever deve-se à crescente falta da prática e do estudo do Yoga por parte do professor de Yoga. É essencial o professor continuar a manter a sua prática pessoal, o seu estudo, o aprender com outros professores. Tudo isso mantém-nos purificados, centrados, alinhados para podermos, pouco a pouco, aprofundar no conhecimento do Ser que somos.

Muitos dos equívocos que surgem no seio do Yoga devem-se à falta do contexto, ao esquecermo-nos que há uma tradição que tem milhares de anos, ao esquecermo-nos que há um ensinamento de valor incalculável, ao esquecermo-nos que houve alguém que nos ensinou e outros que continuam a ensinar.

Por toda esta tradição, por tudo isto que nos foi dado, por este privilégio que é poder praticar e ensinar o Yoga, temos uma grande responsabilidade em mãos, temos o dever de ensinar de forma correcta e adequada a cada aluno. Não fazer dos alunos cobaias das nossas invenções e inseguranças. Não ter falta de cuidado na hora de ajustar o aluno, estar focado para que nada de menos bom aconteça. Muito menos cultivar aquela atitude de professor durão que chega à aula e quer pôr o pessoal todo a suar. Tem professor de Yoga que gosta de fazer aulas muito duras só para que os alunos, ao terminarem a classe, comentem que ele é duro e exigente e no dia seguinte possam sentir os músculos do corpo todos doridos. Não cair na tentação de fazer ajustes muito fortes só porque metemos na cabeça que aquele aluno tem que fazer o ásana que está no livro.

Não há maior equivoco que a ideia de que um bom professor de Yoga é aquele que faz os ajustes mais fortes e dá as aulas mais puxadas.

O ego do professor de Yoga também pode resultar numa atitude de insegurança. É o exemplo típico do professor que não faz mantra na aula pois tem vergonha e receio do que os alunos vão pensar. Se ele já faz o mantra habitualmente mas entra um aluno novo lá vem de novo o embaraço… Temos que ensinar aquilo que aprendemos, gostamos e sabemos. Não podemos fazer uma aula puxada só porque um aluno gosta de malhar nem uma aula toda deitados porque um outro só quer descomprimir do dia de trabalho. Não podemos ter receio de perder alunos, esse é um dos maiores medos do professor de Yoga, ele vive sobressaltado com a ideia de perder alunos e com isso o dinheiro para pagar suas despesas. Ele não confia nas suas capacidades e muito menos na ordem natural do universo.

O meu professor Pedro Kupfer sempre diz que não há coisa pior num professor de Yoga que ser chato. Ninguém quer praticar com um professor chato, com aquele chato que chega todos os dias na aula com cara séria para impor respeito. Aquele professor arrogante que gosta de impor e exigir demais das pessoas, que quer que as pessoas sejam como ele, ou melhor, com a ideia distorcida que ele tem de si mesmo como sendo um super humano.

Esquecemo-nos facilmente que só existe professor quando há aluno. É o aluno que dá sentido ao papel do professor. São os alunos que nos permitem continuar neste caminho abençoado, que é o de praticar e ensinar o Yoga. Com eles aprendemos sempre muito e graças a eles mantemo-nos em estreito contacto com o ensinamento que estamos a passar.


Qualidades a serem observadas no bom professor de Yoga

Mas como se costuma dizer “enquanto há vida há esperança”, enquanto vivermos temos sempre oportunidades para nos melhorarmos e crescermos no Yoga. Assim, penso ser importante cultivar algumas coisinhas, que nada mais são que o aplicar da ética do Yoga, os famosos yamas e niyamas, ou os valores descritos na Bhagavad Gitá.

É importante que nós, professores de Yoga, tenhamos a capacidade de falar e ensinar ao nível das pessoas. De pouco adianta usarmos termos complicados que a pessoa não irá entender, nem tampouco tentar ensinar e dar aquilo que a pessoa não quer ou não precisa nesse momento. Devemos desenvolver a compaixão pelos outros, tornamo-nos em contribuidores (expressão que o Swami Dayanandaji muito repete) na sociedade onde vivemos.

Como bem ensina Patañjali devemos desenvolver uma atitude de compaixão perante aqueles que sofrem, amizade perante os que estão felizes, neutralidade perante quem realiza acções equivocadas e alegria perante os que realizam acções virtuosas. Tudo isto, bem como o cultivar a não-violência, a verdade, etc., resultam do principio básico do dharma: não fazer aos outros o que não gostamos que nos façam a nós. E para isso tem que haver um entendimento profundo e completo do valor dos valores e para esse entendimento acontecer temos que observar-nos constantemente durante o dia, em todos os momentos, em todas as acções.

Cultivar o belo valor de kshánti, a aceitação, o saber acomodar todas as pessoas, independentemente da sua história, das suas acções e reacções. Ao libertarmos a pessoa de nosso julgamento libertamo-nos a nós próprios e não há nada na vida que o yogi mais preze que a liberdade e simplicidade. Se não conseguimos acomodar as pessoas viveremos com o peso das expectativas e frustrações que, equivocadamente, projectamos nessas pessoas.

Ensinar aquilo que sabemos, fazermos a nossa prática pessoal, continuar a praticar e aprender com o nosso professor e outros que sejam um exemplo vivo daquilo que representa o Yoga. Respeitar e honrar a tradição do Yoga e não utilizar o Yoga para fins egoístas.

Termino com uma sábia frase do Swami Dayananda: “Íshvara, possa eu desfrutar e ter a maturidade de aceitar simplesmente o que não posso mudar, a vontade e o esforço para mudar o que posso, e a sabedoria para saber a diferença”.