Prānāyāma

 

Ujjáyí, o pránáyáma nas escrituras clássicas do Hatha Yoga



Por Miguel Homem





Depois do súryabhedhana, a Hatha Yoga Pradípiká e a Gheranda Samhitá citam o ujjáyí como o kúmbhaka seguinte, o segundo e o terceiro de cada um daqueles textos, respectivamente.

Segue-se a descrição do ujjayí pránáyáma, a respiração vitoriosa com contracção da glote:

a)      Inspirar pelas narinas, contraindo levemente a glote e produzindo um leve ruído que deve ser suave e contínuo;
b)      reter o ar nos pulmões com a glote totalmente fechada e jalándhara bandha;
c)       expirar pelas narinas, contraindo a glote e produzindo o mesmo ruído suave do atrito do ar na garganta, que Swami Satyananda chama de suave ressonar.
        
         Costumo pedir aos meus alunos que têm dificuldade em perceber como se contrai a glote para deglutirem a saliva. O movimento que se cria ao nível da garganta é uma contracção da glote. Basta, então, criar esse movimento e mantê-lo de forma à glote ficar parcialmente fechada e inspirar e expirar dessa forma, como se o ar entrasse e saísse directamente pela garganta.
         Theos Bernard foi ensinado a lavar a língua e a boca antes de começar este pránáyáma[1].
         Mais uma vez deixei uma sugestão simples da prática do ujjáyí que não é mais do que uma entre outras. André Van Lysebeth, por exemplo, dava a seguinte indicação: “Kúmbhaka deve acompanhar-se necessariamente de múla bandha. Isto é muito importante.[2]” Indicação que B.K.S Iyengar[3] também dá para os estágios mais avançados do pránáyáma. Já o ensinamento de Swami Satyananda é no sentido do pránáyáma ser praticado com o khecharí mudra.
         O ujjáyí aumenta a temperatura e o calor corporal, normaliza o funcionamento da glândula tiróide e do sistema endócrino, estimula o relaxamento e a interiorização.

         O ujjáyí é uma técnica auxiliar de várias meditações, como no ajapa-japa. Muitos também conhecem este pránáyáma de algumas práticas de ásana, como a do ashtánga vinyasa yoga. Ele é utilizado não só pelos seus efeitos físicos, mas também porque facilita a concentração na respiração e no ritmo respiratório, o que promove uma maior vivência do ásana.

        
         Vejamos, então, o que nos diz a Hatha Yoga Pradípiká[4]:
         “Ujjáyí: com a boca fechada, inala-se lentamente por ambas as fossas nasais, de tal forma que o ar produza um ruído (surdo) ao passar pela garganta em direcção aos pulmões. Depois, pratica-se kúmbhaka segundo a descrição anterior, mas exalando pela narina esquerda (ídá); com esta técnica eliminam-se os problemas de excesso de mucosidade na garganta e incrementa-se a capacidade digestiva.” (II, 51-52).

         “Pratica-se kúmbhaka segundo a descrição anterior”, ou seja, segundo a descrição do súryabhedana – “praticar kúmbhaka até sentir o prána penetrar em todo o seu corpo, desde a ponta dos cabelos até às unhas dos pés”. Valem as mesmas considerações feitas anteriormente, lembrando que as retenções com ar prolongadas devem ser sempre mantidas com jalándhara bandha. Este bandha estimula o sistema para-simpático, regula os batimentos cardíacos, respiração e pressão arterial de forma a permitir um estado de relaxamento e bem-estar sem riscos durante a retenção.
        
         Admitem-se algumas formas de ujjáyí. Variações no que toca à expiração são um exemplo. Assim, o texto citado indica a expiração pela narina esquerda, quando na Gheranda Samhitá parece estar sugerida a expiração pela boca.

“A respiração ujjáyí também cura a hidropsia e os desequilíbrios nas nádís e nos dhátus; este kúmbhaka pode ser praticado em pé, estando imóvel ou caminhando.” (II, 53).

Esta citação dá-nos mais uma referência sobre os efeitos do ujjáyí pránáyáma. Ficamos a saber que pela sua prática são corrigidos os desequilíbrios nas nádís e nos dhátus. A referência às nádís é familiar. Os dhátus são os constituintes do organismo e são em número de sete: a pele (rasa), o sangue (rakta), a carne (mámsa), a gordura (medas), o osso (asthi), a medula (majjá) e o esperma (shukra).
Refira-se que este é o único pránáyáma citado nas três escrituras que temos referido (Hatha Yoga Pradípiká, Gheranda Samhitá e Shiva Samhitá) sobre o qual se dá indicação expressa de que poderá ser feito em pé e tanto imóvel como em movimento. Percebe-se assim, porque em muitas práticas de Hatha Yoga ele é utilizado durante a prática de ásana.

          Gheranda Samhitá[5]:
         “Feche a boca, inspire o ar externo por ambas as narinas, e eleve o ar interno dos pulmões e garganta; retenha-o na garganta. Então tendo lavado a boca (isto é, expelido o ar pela boca) execute jalándhara. Que ele execute kúmbhaka com todo o seu poder e retenha o ar confortavelmente.” (V, 69-70).

         De acordo com de Pancham Sinh e Rai Bahadur Srisa Chandra Vasu[6], a referência “tendo lavado a boca” é uma indicação da expiração pela boca. Desconhecem-se os motivos daqueles tradutores para tal interpretação, apesar de se reconhecer o sentido da mesma. Em sentido diferente, o Yogí Pranavánanda, na sua tradução e comentário da Gheranda Samhitá dá-nos a seguinte tradução:
         “Inspire o ar exterior por ambas as narinas e retenha-o na boca. Eleve o ar dos pulmões e garganta e retenha-o na boca. Com a boca assim lavada e fechada, execute jalándhara bandha. Kúmbhaka deve ser praticado com toda a sua capacidade, mas sem desconforto”[7] (V, 69-70).

         Seja como for, a essência do pránáyáma não se altera. À boa maneira yogí há que experimentar e observar...
         O que já não é indiferente é que, conforme se siga uma ou outra tradução, a retenção é feita sem ar (no primeiro caso) e com ar (no segundo), cada uma com intenções e resultados diversos. Haverá, pois, que decidir conscientemente.

         “Todos os obstáculos são conquistados pelo ujjáyí kúmbhaka. Aquele que o pratica nunca se vê afectado por doenças de fleuma e doenças nervosas, indigestão, desinteria, definhamento, tosse, febre e dilatar do baço. Que um homem execute ujjáyí para conquistar a velhice e a morte” (V, 69-70).

         Jaya, Jaya!



[1] Hatha Yoga, The Report of a Personal Experience, 4ª Impressão, Essence of Health Publishing, 2001, Africa do Sul, pag 52.

[2] André Van Lysebeth, Pranayama, A la serenidad por el yoga, EdicionesUrano, 1985, Barcelona, pag. 237, tradução do autor.
[3] Veja-se B.K.S. Iyengar, Luz sobre el Pránáyáma, 2ª Edição, Editorial Kairós, 2001, Barcelona, Espanha.

[4] Svatmarama Yogendra, Hatha Yoga Pradipika, Tradução de Pedro Kupfer, Instituto Dharma-Yogashala, 2002, Florianópilis, Brasil.
[5] Tradução para o português feita pelo autor a partir de The Forceful Yoga, Being the Translation of Hathayoga-Pradipika, Gheranda-Samhita and Shiva-Samhita, tradução para o Inglês de Pancham Sinh e Rai Bahadur Srisa Chandra Vasu,  1ª Edição, Motilal Banarsidas  Publishers, 2004, Delhi, Índia.
[6] The Forceful Yoga, Being the Translation of Hathayoga-Pradipika, Gheranda-Samhita and Shiva-Samhita, tradução para o Inglês de Pancham Sinh e Rai Bahadur Srisa Chandra Vasu,  1ª Edição, Motilal Banarsidas  Publishers, 2004, Delhi, Índia, pag. 131.
[7] Tradução para o português feita pelo autor a partir de Pure Yoga (A translation from the  Sanskrit into English of the tantric work, The Gherandasamhita with a guiding commentary by), Yogi Pranavananda,  reimpressão da 1ª Edição, Motilal Banarsidas  Publishers, 2003, Delhi, Índia.


Shítkarí, o pránáyáma nas escrituras clássicas do Hatha Yoga

por Miguel Homem





“A prática continuada desta técnica [shítkarí] torna o yogi belo como o deus do amor, Kámadeva.” Hatha Yoga Pradípiká, II-54. Sugestivo?!


            Começo por deixar uma descrição simples do shítkarí pránáyáma, aquele que produz o som shí:
a)         Fechar a boca, com os dentes juntos ou muito próximos, os lábios entreabertos e a língua levemente encostada por trás dos dentes (variações em relação à posição da língua são comuns);
b)         inspirar pela boca, fazendo o ar passar por entre os dentes e a língua;
c)         reter o ar e fechar a boca;
d)        expirar pelas narinas.

            Este pránáyáma, a par do shítalí, é um dos poucos em que se inspira pela boca. Normalmente a inspiração é sempre feita pelo nariz, o que permite que o ar através da passagem pelas narinas seja aquecido e limpo antes de entrar nos pulmões. Quando se respira pela boca os pulmões não têm esta protecção e, por este motivo, a prática de pránáyámas com inspiração pela boca deve ser feita em locais limpos, não poluídos e com a temperatura do ar agradável (e nunca quando está frio). Assim, este exercício não deve ser praticado por pessoas com problemas respiratórios como asma ou bronquite crónica.
Atribui-se a este exercício o poder de arrefecer o corpo, eliminar a fome e a sede. Também por isso deve ser praticado sobretudo no Verão. Em função do efeito de arrefecimento do corpo, o pránáyáma tende a induzir um estado de relaxamento.
Quando se usa o bhastriká pránáyáma no Verão, o que tende a aquecer ainda mais o corpo, o shítkarí é usado muitas vezes para contrabalançar aquela tendência e devolver o equilíbrio ao organismo.
Existem algumas variações quanto à posição da língua neste pránáyáma durante a inspiração. Foi-me ensinado pousar a língua entre os dentes (superiores e inferiores) ou nos dentes incisivos superiores. No primeiro caso, os dentes acabam por se afastar ligeiramente e a língua sobressai um pouco. Swami Satyananda Saraswati sugere ainda a hipótese de se deixar a língua dobrada para trás a pressionar o palato macio.
Por fim, uma palavra para a atenção que se deve manter na língua e sobre a retenção com ar (antar kumbhaka) que não necessita ser muito prolongada.

Vejamos, então, o que nos diz a Hatha Yoga Pradípiká[1]:
“Ao inalar produz-se um som sibilante, mantendo a língua entre os dentes; depois, exala-se pelo nariz. A prática continuada desta técnica torna o yogi belo como o deus do amor, Kámadeva.
Assim, ele se torna atraente para as yoginís, controla as suas acções, não sente fome, nem sede, nem se vê afastado pela sonolência ou pela preguiça.” (II-54,55)

            Aqui está a solução para muitos yogís com problemas de coração. E, à boa maneira yogí, de graça, acessível a todos e sem necessidade de mais feromonas além das que trouxeram de fábrica :)!
            Mas vejamos outro significado possível de Kámadeva, mais condizente com o sentido do Yoga. A palavra káma significa literalmente desejo, vontade, prazer, amor, gozo. Já a palavra deva traduzida comummente por deus, também tem o significado de título honorífico e pode significar “vontade de exceder ou superar”.

Assim, a palavra kámadeva pode significar aquele que supera o seu próprio desejo.

E supera não no sentido de rejeição mas no sentido que é livre do apego a ele. Esse é o Mestre, tão bem com, como sem...
            Vejamos agora outro significado possível para “ele se torna atraente para as yoginís”. Do original consta yoginí chakra sammányah que também se poderia traduzir como aquele que é respeitado e honrado pelo chakra de yoginís. A palavra chakra, de conhecimento mais comum, tem como um dos seus significados redemoinho de energia. Yoginí tem o significado comum de mulher que se dedica à vida de Yoga, mas no contexto específico das tradições tantricas, como é a do Nátha Sampradaya[2], também pode significar shakti, a energia. Como escreve o Swami Muktibodhananda[3]:

“O chakra de yoginís simboliza o funcionamento do corpo denso e subtil, as funções da mente e a integração com o Ser. Toda a nossa existência é controlada ou operada pelas várias formas de shakti, ou uma yoginí ou deví específica.
Assim, é dito que através da prática de shítkarí todo o corpo fica sob o domínio do praticante.”

           
Se analisarmos o que o texto nos diz em seguida, talvez encontremos um apoio:
“Com esta prática consegue força física e torna-se um mestre de Yoga, livre de todas as misérias terrenas.” (II-56).
A explicação para este efeito associado ao shítkarí pode estar exactamente no seu efeito refrescante. Como se sabe, a paixão e o desejo (sobretudo sexual) geram calor no organismo. Assim, o pránayáma seria uma forma de agir sobre a tendência latente. Não que exista algum mal na paixão e no desejo – não há – a haver mal ele está em ser escravo da paixão e dos desejos.
O texto diz mesmo bhavet sattvam cha dehasya sarvopadravavarjitah, que também se pode traduzir por “o sattva do seu corpo torna-se livre de todas as perturbações”. Assim, livre de perturbações, sattva[4], o equílibrio, repousa em si mesmo. Segundo Vyása, no seu comentário ao segundo dos sútras de Patañjali, o atributo de sattva é pra-khyá ou khyáti, a iluminação ou conhecimento da realidade. Então compreende-se bem porque o praticante que se mantem em sattva sem perturbações se torna um Mestre de Yoga.

Dos três textos que temos vindo a estudar – Hatha Yoga Pradípiká, Gheranda Samhitá e Shiva Samhitá - apenas a Hatha Yoga Pradípiká se debruça sobre o shítkarí pránáyáma. Os restantes textos limitam-se ao shítalí pránáyáma, que abordaremos noutra oportunidade.
Introduz-se, assim, outro texto à guiza de curiosidade: a Hatharatnávalí de shrínivásasa. Este é um importante texto do Hatha Yoga, mas não tão conhecido quanto os acima referidos. Estima-se que tenha sido escrito entre 1625 e 1695. Sabemos que o seu Autor era versado nos Vedas, Vedánta, Tantra, Nyáya e Yoga.
Vejamos então o texto:
“Deve-se inspirar sempre pela boca produzindo o som sít, reter o ar e exalar pelas narinas. Com esta prática o yogí tonra-se o kámadeva. Ele é respeitado pelo yoginí-chakra, torna-se capaz de criar e destruir e não sofre de fome, sede, sono e sonolência.
Mais ainda, através desta prática, o eminente yogí torna-se preparado fisicamente, permance livre dos sofrimentos mundanos e supera-se em vida.” II-16-18[5].

            Os originais sânscritos são quase iguais e sem dúvida shrínivása ter-se-á inspirado no texto de Svátmáráma Yogendra (a Hatha Yoga Pradípiká). A Hatharatnávalí pouco acrescenta em relação ao escrito anterior. Neste sentido, serve-nos mais como confirmação do que já antes havia sido postulado.
   


[1] Svátmáráma Yogendra, Hatha Yoga Pradípiká, Tradução de Pedro Kupfer, Instituto Dharma-Yogashala, 2002, Florianópilis, Brasil.
[2] Nátha sampradaya é a tradição original das escolas de Hatha Yoga e por isso aquela a que pertenceria Svátmáráma Yogendra, o autor da Hatha Yoga Pradípiká.
[3] Svátmáráma Yogendra, Hatha Yoga Pradípiká, Tradução e comentário de Swami Muktibodhananda, Yoga Publications Trust, 2004, Munger, Bihar, Índia, pag. 246 e 247. Tradução para o português do autor.
[4] Sattva é um dos gunas (guna significa qualidade, propriedade ou atributo) da Prakriti (mundo manifestado, matéria, natureza, substância cósmica). Os outros dois são tamasrajas. A diversidade e a complexidade da natureza devem-se à interacção, alteração e às variações desses três elementos. Assim, tamas significa inércia; rajas, movimento e sattva estabilidade. As suas funções são, respectivamente, a de limitar, a de ativar e a de manifestar a consciência através dos seus mais variados veículos. O guna sattva actua no homem como um estado de compreensão, satisfação, tranquilidade, reflexão, alegria e felicidade.
[5] Srínivásayogí, Hatharatnávalí, Tradução de Dr. M. L. Gharote, Dr. Parimal Devnath e Dr. Vijay Kant Jha, Lonavla Yoga Institute, 2002, Lonavla, Índia, pag. 47. Tradução para o português do autor.

Texto escrito por Miguel Homem, professor de Yoga em Portugal, Porto e editor do site www.dharmabindu.com
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Pláviní é o pránáyáma com deglutição de ar e o último indicado na Hatha Yoga Pradípíká.
Miguel Homem


Como de costume, segue-se uma descrição simples:

a) Inspirar, engolindo o ar como se fosse água ou comida.

b) Encher assim o estômago de ar (é normal que inche), mantendo-o ali, evitando qualquer movimento do corpo.

c) Quando a sensação do estômago cheio de ar existir, então expirar arrotando.

Ensina-se que neste pránáyáma a inspiração pode ser feita tanto pela boca quanto pelas narinas. Existe ainda uma outra variação em que o ar é feito sair pelo ânus. Convenhamos que não é o pránáyáma mais simpático para se fazer na sala de aula ou mesmo em casa, acompanhado.

O mais provável é que nunca se tenha cruzado com este pránáyáma nas suas práticas guiadas até ao momento e provavelmente nunca se venha a cruzar. Avança-se, no entanto, que o pláviní alivia gases e acidez no estômago, assim como alivia a sensação de fome e sede durante a prática de jejuns. Experimente, dê-se à prática e avalie por si à boa maneira do Hatha Yogi.



Vejamos então o que nos diz a Hatha Yoga Pradípíká II, 70 [1]:

“Com os pulmões completamente cheios de ar, o yogi pode flutuar facilmente sobre as águas, como uma folha de lótus.”

Como é hábito em alguns versos dos Shástras, o texto pouco acrescenta. Ficamos a saber que aquele que domina este pláviní é capaz de flutuar sobre as águas. Para aqueles que não encontraram, ainda, um professor competente e com a mestria deste pránáyáma, existe sempre a alternativa de flutuar sobre as águas em shavásana, boiando à boa maneira tradicional

Os outros textos clássicos do Hatha nada acrescentam sobre o pláviní. A Hatharatnávalí parece fazer-lhe uma menção ainda que sob o nome bhujangíkaranam mudrá [2], mas sem nada de novo.

Com este pláviní concluímos o périplo pelos principais pránáyámas citados nos textos clássicos do Hatha Yoga, incluindo os oito kúmbhakas (retenções) da Hatha Yoga Pradípíká.

Os textos dividem as retenções do prána em sahita e kevala. A primeira é acompanhada de inspiração e expiração. A segunda acontece sem o acompanhamento da respiração física. Diz-se, então, ser o resultado da respiração subtil. O kevala não é o resultado de uma acção física específica, de um esforço consciente, mas antes acontece por si mesmo, sem razão aparente. Este kevala surge frequentes vezes em meditações mais profundas. A respiração física e mecânica cessam, mas o praticante não sente falta de ar. Segundo a explicação subtil do Hatha Yoga, o kevala acontece quando o prána para de circular por ídá e pingalá e passa a circular por sushumná nádí que, entretanto, entra em actividade. E acontece quando a absorção e contemplação na meditação são intensas e imperturbadas.

Diz-se na Hatha Yoga Pradípíká II, 72 [3]:

“Kevala é um kúmbhaka independente de púraka e rechaka durante o qual se retém o prána sem esforço algum; enquanto não se dominar totalmente o kevala kúˆbhaka deve-se praticar sahita.”

Os textos são prolixos em louvar este kevala kúmbhaka. Vejam-se a este propósito a Gheranda Samhitá V, 84-96.

Este ênfase colocado no kevala aponta para a importância dada ao pránáyáma dentro da tradição do Hatha Yoga. Enquanto que no Rája Yoga a mente e o chitta shudhhi são trabalhados tendo como alavanca a mera força de vontade, o Hatha Yogi vale-se da manipulação do prána para o chitta vrtti nirodhah.

Não é difícil perceber a ligação intrínseca entre a respiração e a mente. Basta perceber a diferença quando senta para meditar depois de uma prática de Hatha bem conduzida ou quando senta, sem mais, para meditar. No primeiro caso, facilmente se nota que a mente já foi conduzida para um estado de aquietamento conducente à meditação e contemplação. Já no segundo caso, o esforço é, regra geral, bem maior.

Esta relação entre a mente e o prána é tal que o próprio Ádí Shankaráchárya declarou no seu Aparokshánubhúti (118): “A cessação de todas as modificações da mente pela habilidade de ver todos os estados mentais como chitta, como sendo apenas brahman, é chamada de pránáyáma”.

O pránáyáma é um dos maiores presentes da Índia para nós, não só para a qualidade de vida de cada um, mas sobretudo para aqueles que se dedicam ao nobre ideal da Libertação. Infelizmente, o ásana cada vez ocupa mais espaço e tempo dentro das aulas, e esta prática tão mais subtil vai-se perdendo e com ela, perde-se a ligação à meditação. Respire e respire conscientemente. Faça uso dessa ferramenta que é o pránáyáma!



“O ar tece o Universo”[4]

“A respiração tece o homem”[5]

[1] Svátmáráma Yogendra, Hatha Yoga Pradípiká, Tradução de Pedro Kupfer, Instituto Dharma-Yogashala, 2002, Florianópilis, Brasil.

[2] Shrínivásayogí, Hatharatnávalí, Tradução de Dr. M. L. Gharote, Dr. Parimal Devnath e Dr. Vijay Kant Jha, Lonavla Yoga Institute, 2002, Lonavla, Índia, pag. 52 e 53. Tradução para o português do autor.



[3] Svátmáráma Yogendra, Hatha Yoga Pradípiká, Tradução de Pedro Kupfer, Instituto Dharma-Yogashala, 2002, Florianópilis, Brasil.

[4] Brhadáranyaka Upanishad, III: 7.2

[5] Atharva Veda, X: 2.13
                               
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Pránáyáma Védico
Por Pedro Kupfer




Este pranayama se faz combinando a respiração completa alternada (nadhi shodhana) com a recitação mental de uma seqüência de três mantras vêdicos, um para cada fase da respiração.

A cada fase, faz-se uma visualização da força vital, ascendendo desde o chakra básico (muladhara) até o coronário, no topo da cabeça (sahasrara). O exercício começa inspirando pela narina esquerda e conclui-se expirando pela mesma. Idealmente, mantenha as costas eretas, o corpo relaxado, e a contração suave porém contínua do assoalho pélvico e o baixo ventre (mula e uddiyana bandhas). Habitualmente, esta prática, de maneira muito abreviada, é feita no início dos pujas, os rituais de adoração. Os mantras Gayatri e Apo jyoti pertencem ao Rig Veda.

Se quiser as instruções detalhadas sobre como fazer o nadhi shodhana, clique aqui:
http://www.yoga.pro.br/artigos/583/108/nadi-shodhana-o-pranayama-nas-escrituras-classicas-do-hatha-yoga


Pranayama vêdico

1 - inalação

2 - retenção com ar

3 - exalação

1
Om bhur

Om bhuvah

Om svah

Om manah

Om janah

Om tapah

Om satyam

2
Om tat Savitur varenyam bhargo devasya dhimahi dhyo yo nah prachodayat

3
Om apo jyoti raso amrtam Brahma bhur bhuva svar Om

1
concentração ascendente nos sete chakras, a partir da base

2
visualização da luz no alto da cabeça (sahasrara chakra)

3
visualização da luz descendo de volta para o chakra básico

Tradução livre destes mantras:

As sete dimensões estão permeadas por Brahman, a Pura Consciência. O mantra sagrado Om é a base, que tudo sustenta. Que a Pura Inteligência ilumine nossas mentes, conduzindo-nos no reto caminho. Brahman é a água, presente nos rios e mares, na luz do fogo, no sabor dos alimentos. Brahman é a essência de tudo, e é revelado através dos Vedas e do mantra Om.

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Súryabhedana pránáyáma
por Miguel Homem




O súryabheda kúmbhaka pránáyáma significa literalmente o pránáyáma de retenção que perfura o sol ou, mais explicitamente, que perfura ou purifica a nádí solar, pingalá.
Descrevo a seguir uma forma simples da técnica:
a) Colocar as mãos em jñána mudrá;
b) obstruir a narina esquerda (lunar) utilizando o dedo médio da mão direita, preferencialmente logo acima da narina, bloqueando a passagem do ar;
c) inspirar (púraka) pela narina direita (solar);
d) reter o alento, executar jalándhara bandha e deglutir a saliva;
f) desfazer o jalándhara bandha e expirar (rechaka) pela narina esquerda;
g) repetir a sequência, inspirando sempre pela narina solar e expirando sempre pela narina lunar.
Depois de dominar bem esta sequência, pode-se, no fim ou durante todo o kúmbhaka (retenção com ar), executar uddiyana bandha e múla bandha e depois expirar. Ou seja, executar o bandhatraya (jalándhara, uddiyana bandha e múla bandha) no final da retenção e durante a expiração. Como em outros pránáyámas pode ser acrescentado ritmo e uma combinação diferente dos bandhas.
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Vejamos, agora, a descrição da Hatha Yoga Pradípiká:
“Para fazer este kúmbhaka, o yogi deve sentar-se em um ásana adequado, em um assento confortável, e inalar lentamente pela fossa nasal direita (pingalá). Na sequência, deve praticar kúmbhaka até sentir o prána penetrar em todo o seu corpo, desde a ponta dos cabelos até às unhas dos pés; então deve exalar lentamente através da fossa nasal esquerda (ídá).”[1] (II, 48-49).

Os ásanas para a prática de pránáyáma são de pouca ou nenhuma solicitação muscular, mas implicam alguma flexibilidade muscular e articular. São ásanas sentados com as costas naturalmente erectas, da categoria denominada dhyánásanas, justamente por serem também os melhores para dhyána (meditação). Os quatro clássicos são: samánásana, siddhásana, padmásana, svastikásana, e como alternativas vajrásana, virásana, bhadrásana.
Há que ter sobretudo em atenção que as costas devem estar sempre erectas, com a cabeça e o pescoço no alinhamento da coluna.

A inspiração é feita pela narina direita correspondente à nádí positiva – pingalá – que produz calor corporal e gera energia.
A referência à duração da retenção com ar (kúmbhaka) deve ser entendida habilmente. Por isso, num trecho anterior, a Hatha Yoga Pradípiká avisa “deve-se controlar o prána gradualmente, do mesmo modo como se domam os leões, os elefantes e os tigres (pouco a pouco, com paciência e energia), pois se assim não fosse o praticante poderia morrer).” (II, 15). Quer isto dizer que não se pode esperar dominar o pránáyáma de um dia para o outro, mas uma vez consciente disso o praticante deve esforçar-se com energia e afinco na prática e não fazê-la de forma “tamásica”. Com estas considerações, a indicação é a de que se deve explorar a duração do kúmbhaka (retenção com ar) até ao limite do controle individual de cada um. Claro está que aqueles que sofrem de tensão alta se devem abster destas retenções.
A Hatha Yoga Pradípiká volta a dar a indicação para que se expire lentamente. Assim, se no fim da retenção sentir necessidade de expirar rapidamente para fazer nova inspiração, é sinal que a retenção foi demasiado prolongada e deve ser reduzida de modo a trazer equilíbrio a todas as fases da respiração. A expiração lenta impede a dissipação do prána acumulado.

“Este excelente súryabhedana deve ser praticado sucessivas vezes, pois esvazia o cérebro (lóbulos frontais e seios nasais), combate os parasitas intestinais e cura os males causados pelo excesso de váta.” (II, 50).

Esta referência ao dosha váta demonstra a conhecida relação entre o Yoga e o Ayurveda desde tempos antigos. Os textos do Hatha Yoga, nomeadamente, fazem referências frequentes aos efeitos das diferentes técnicas sobre os doshas, como neste caso. Assim, o pránáyáma influencia de forma diferente os praticantes consoante o seu dosha. Dosha, que significa literalmente “falha”, indica os factores que dão origem à doença ou à decadência da saúde. De acordo com o Ayurveda, existem três doshas que correspondem ao bio-tipo de cada ser-humano conforme a interacção dos cinco elementos (bhútas) e que são váta associado ao elemento ar (vayu) e espaço (ákásha), Pitta, associado ao elemento fogo (tejas), e kapha associado aos elementos prithiví (terra) e apas (água).
O texto diz-nos que o pránáyáma corrige os desequilíbrios do dosha váta, o que se compreende porque a respiração pela nádí solar (direita) seguida da retenção prolongada estimula o elemento agni, fogo, o que ajuda a equilibrar os elementos elemento ar, vayu e espaço, ákásha (associados ao dosha váta). A referência em muitos textos apenas ao dosha váta é normal uma vez que este é o dosha principal[2].

Confrontemos com o que nos diz a Gheranda Samhitá:
“Gheranda disse:
Eu expliquei o sahita kúmbhaka; agora ouve o súryabheda. Inspira com toda a tua força o ar externo pelo tubo solar (narina direita). Retém este ar com grande cuidado enquanto executas jalándhara mudrá. Mantém a retenção enquanto a transpiração não sair pelas pontas das unhas e pela raiz do cabelo.” (V,58-59).[3]

O jalándhara bandha ou mudrá como é aqui chamado[4], auxilia a execução do kúmbhaka. Como sempre as costas devem ser mantidas erectas e é de evitar o curvar da coluna na execução do bandha. Mesmo que não seja possível a pressão do queixo no peito o importante é criar uma pressão na depressão jugular. Este bandha pressiona o prána para baixo em direcção à entrada de sushumná nádí, e ainda corta a passagem do fluxo de prána entre o plexo solar, no abdómen, e o plexo lunar, no alto da cabeça, evitando o arrefecimento do primeiro, bem como o aquecimento do segundo plexo. Diz-nos o Yoga Chudamani Upanishad “Graças ao jalándhara bandha, que contrai a cavidade da garganta, o néctar que desce do lótus de mil pétalas, não se queima no fogo digestivo e controlando as forças vitais, desperta a kundaliní.”

A seguir a esta citação do pránáyáma, a Gheranda Samhitá enuncia os principais váyus e suas funções. O prána genérico (ou váyu) divide-se em cinco práŠas ou váyus principais, que são: prána, apána, udána, samána e vyána. O prána está situado no alto do tórax, na região do coração, e o seu percurso começa no umbigo e vai até à garganta. Este váyu associado à respiração é activado pela inspiração e é responsável pela captação da energia do meio ambiente para vitalizar o corpo. Apána está situado abaixo do tórax, na região coccígea, é o váyu responsável pelos processos de excreção e expulsão no corpo e é activado pela expiração.

O pránáyáma procura, sobretudo, unir estes dois váyus (prána e apána) através da inversão das suas direcções naturais no manipura chakra. Quando prána e apána se unem é estimulado o despertar da kundaliní e isso “proporciona resultados de particular importancia para la experiencia última del yoga.[5]. Segundo a Hatha Yoga Pradípiká “quando apána e o fogo se unem ao prána, quente por natureza, um clarão intensamente abrasador brota no corpo.”(III-67), “Kundaliní adormecida, aquecida por esse abrasamento, desperta. Tal como uma serpente tocada por uma vara, ela se levanta sibilando; e, como se entrasse em sua toca, entra na brahmánádí (sushumná, o canal central).” III-68,69).
Os outros três váyus principais são: samána, situado no plexo solar, na região do umbigo, e cuja função principal tem a ver com a digestão, alimentando o fogo gástrico; udána que actua na garganta e é responsável pela deglutição; vyána que tem como função distribuir a energia por todo o corpo e tem como função principal estimular a circulação sanguínea. Este é o váyu (ar vital) que interage e mantém a coesão dos outros váyus.
Existem ainda os chamados váyus secundários que governam outras funções do corpo, voluntárias e involuntárias, e que são: nága, responsável pelo soluço e pela erucção, kúrma, permite o pestanejar dos olhos, Krikara, produz a fome e a sede, devadatta, provoca o bocejo, dhananjaya elabora a decomposição do corpo após a morte.

“Que ele eleve todos estes váyus da raiz do abdómen por súrya-nádí; depois expire por ídá nádí lentamente e de forma continuada. Inspire outra vez pela narina direita, retenha como ensinado acima e exale. Faça-o repetidas vezes. Neste processo o ar é sempre inspirado através da súrya nádí. Súryabheda kúmbhaka destrói o envelhecimento e morte; desperta kundalí shakti; aumenta o calor corporal. Ó Canda, assim, ensinei o súryabhedana kúmbhaka.”(V, 66-68).”


Repare-se que em cima foi dada a indicação para se fazer o jalándhara bandha; agora para elevar a energia da raiz do abdómen. Sabemos ainda que o súryabheda práŠáyáma desperta kundalí shakti, que é outro nome para a kundaliní. Ora, relembrando o que foi dito acerca dos váyus, sobretudo prána e apána, podemos ver aqui a indicação para o uddiyana bandha e múla bandha sugeridas na descrição inicial que se deu do pránáyáma.
O uddiyana bandha consiste na retracção do abdómen até que o contorno das vértebras se desenhe na pele abdominal[6] e além de estimular a circulação propicia a subida do váyu apána – “Por este processo, o grande pássaro (alento) é instantaneamente forçado a subir por sushumná e move-se por ali apenas” Gheranda Samhitá III,10. O múla bandha também inverte o fluxo natural descendente do váyu apána. Associando este conhecimento ao que nos diz a Hatha Yoga Pradípiká corroboramos a válida utilização dos bandhas como se descreveu. Vejamos:
“Ao final de púraka deve-se praticar jalándhara bandha; e, ao final de kúmbhaka e no início de rechaka, deve-se fazer uddiyana bandha. Praticando-se jalándhara bandha, múla bandha e uddiyana bandha ao mesmo tempo (durante a expiração), o prána flui por sushumná. Impulsionando o apána para cima (com múla bandha) e fazendo descer o prána a partir da garganta (com jalándhara bandha), o yogi livra-se da velhice e torna-se um jovem de dezasseis anos.”(II, 45-47). Púraka é a inspiração, kúmbhaka a retenção e rechaka a expiração.
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Finalmente dir-se-á que o Súryabheda, à semelhança de outros pránáyámas como o bhástrika, podem ser especialmente úteis antes da meditação para os praticantes que, chegados a esse momento, sejam dominados por tamas (inércia ou letargia). Nesse caso, o pránáyáma torna a mente (chitta) mais alerta e menos dormente, o que é essencial para a prática do samyama (concentração, meditação e samádhi).



[1] Svátmáráma Yogendra, Hatha Yoga Pradípiká, Tradução de Pedro Kupfer, Instituto Dharma-Yogashala, 2002, Florianópilis, Brasil.
[2]Váta, que significa literalmente vento, é o dosha primário ou força biológica. É o poder de motivação por detrás dos outros dois doshas, que são incompletos ou incapazes de se mover sem ele.” David Frawley, Yoga & Ayurveda, Self-Healing and Self-Realization,1ª Edição, Lotus Press, 1999, Winsconsin, pag. 41. Sobre Ayurveda vejam-se os artigos já publicados nos Cadernos de Yoga.
[3] Tradução para o português feita pelo autor a partir de The Forceful Yoga, Being the Translation of Hathayoga-Pradípiká, Gheranda-Samhitá and Shiva-Samhitá, tradução para o Inglês de Pancham Sinh e Rai Bahadur Srisa Chandra Vasu, 1ª Edição, Motilal Banarsidas Publishers, 2004, Delhi, Índia.
[4] Theos Bernard ensinava que a distinção entre bandha e mudrá é meramente teórica e não deve causar nenhuma confusão, porque ambos são uma e mesma coisa. Veja-se Hatha Yoga, The Report of a Personal Experience, 4ª Impressão, Essence of Health Publishing, 2001, Africa do Sul, pag 60, nota nº 3.
[5] André Van Lysebeth, Pranayama, A la serenidad por el yoga, EdicionesUrano, 1985, Barcelona, pag. 250.
[6] Claro está que, se o bandha for utilizado no kúmbhaka (antar kúmbhaka) deve ser executado de forma mitigada em virtude de os pulmões estarem cheios. Ou seja, apenas se contrai o baixo ventre, abaixo da linha do umbigo, tal qual se faz na prática de ásana com o bandha.


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Nádí shodhana pránáyáma, o pránáyáma nas escrituras clássicas do Hatha Yoga
por Miguel Homem



Vimos dar início a um estudo comparativo de alguns pránáyámas nos textos clássicos do Hatha Yoga, o Hatha Yoga Pradipika, Gueranda Sámhita e Shiva Sámhita, com o que se pretende dar a conhecer parte daqueles textos bem como familiarizar o praticante com a linguagem dos shástras.
O nádí shodhana pránáyáma é vulgarmente conhecido como a respiração alternada. A sequência base do pránáyáma é feita da seguinte forma:
a) Colocar as mãos em jñána mudrá, vishnu mudrá, nasagra mudrá ou outro;
b) obstruir a narina direita ou preferencialmente logo acima da narina bloqueando a passagem do ar;
c) inspirar (púraka) pela narina esquerda (respiração completa);
d) trocar a narina em actividade, obstruindo agora a narina esquerda;
f) expirar (rechaka) pela narina direita;
g) continuar o pránáyáma, inspirando pela narina direita e assim sucessivamente.

Este pránáyáma deve ser sempre agradável e nunca se deve perder o fôlego. Se isso acontecer deve diminuir-se a duração de cada fase da respiração. Note que a narina em actividade é alternada sempre que os pulmões estão cheios e nunca quando estão vazios. A inspiração é sempre feita pela mesma narina com que se expirou.
O nádí shodhana pránáyáma promove o bhúta shuddhi, nomeadamente a purificação do corpo subtil, ao nível das nádís, o que possibilita o despertar da kundaliní. Revigora o sistema nervoso e melhora o rendimento intelectual e desenvolve as faculdades mentais. Segundo Shivánanda este pránáyáma possibilita a levitação.
Ao nádí shodhana básico podem e devem ser acrescentados kúmbhaka (retenções), ritmo e bandhas. No entanto, o acréscimo deve ser feito sem pressa e no tempo individual de cada praticante.
O nádí shodhana pránáyáma é tradicionalmente considerado o pránáyáma mais importante. É o único citado na Shiva Samhitá. Deve ser praticado de forma diária e continua desde que se começa a fazer pánáyáma.
Nos textos de Hatha Yoga é comum a indicação de que os kriyás, entre os quais os shat karma, (dhauti, vasti, neti, trátaka, nauli e kapákabháti) devem ser praticados antes do prányáma por forma a permitir a limpeza e purificação do corpo denso e subtil (sthúla sharíra e súkshma sharíra). A Hatha Yoga Pradípiká precede mesmo a indicação sobre os shat karma com a indicação sobre o nádí shodhana prányáma tal a importância que lhe concede. Vejamos:
“Enquanto permanecerem impurezas nas nádís, o prána não poderá entrar no canal central, sushumná. Desta forma, o yogi não conseguirá o estado de umnaní avásthá[1] nem terá sucesso nas práticas. Somente quando todas as nádís que ainda estiverem impuras forem purificadas, é que o yogi poderá praticar pránáyáma com sucesso. Portanto, o pránáyáma deverá ser praticado diariamente, com um estado mental em que predomine sattva[2], até que sushumná fique livre de impurezas.” (II, 4-6).
Em seguida dá-se a descrição do nádí shodhana pránáyáma:
“Em padmásana, o yogi deve inalar pela narina esquerda e, após reter a respiração tanto quanto lhe seja possível, deve expirar pela narina direita. Na continuação, deve-se inalar pela narina direita, praticar kúmbhaka como antes e expirar pela esquerda. Depois do rechaka, deve-se fazer púraka pela mesma narina. O kúmbhaka deve ser mantido o máximo possível e depois expirar-se lentamente. Ao inspirar prána através de ídá, deve-se exalar através de pingalá, inspira-se de novo por pingalá e exala-se por ídá, depois de ter retido a respiração o máximo de tempo. O yogi que se aperfeiçoar na prática da ética e que praticar esta respiração alternada, purificará as suas nádís em três meses.” (II, 7-10).
Confrontemos com o que nos diz a Gheranda Samhitá:
“Sentado em padmásana, depois da adoração do Guru como ensinado pelo Professor, deve ele levar a cabo a purificação das nádís para obter sucesso no pránáyáma. Concentrado no váyu bija (Yam), repleto de energia e de cor esfumada, deve inspirar pela narina esquerda, repetindo o bija dezasseis vezes. Isto é o púraka. Deve reter a respiração por um período de sessenta e quatro repetições do mantra. Isto é o kúmbhaka. Depois deve expulsar o ar lentamente pela narina direita durante um período correspondente a trinta e duas repetições do mantra.
O centro do abdómen é o assento do agnitattva. Eleve-se agni desse local, junte-se com o prithivi tattva e contemple essa fusão de luz. Depois, repetindo dezasseis vezes o agni bija (Ram), deve inspirar pela narina direita, reter durante sessenta e quatro repetições do mantra e expulsar o ar pela narina esquerda pelo período correspondente a trinta e duas repetições do mantra.
Então fixe o olhar na ponta do nariz e contemplando, ali, o reflexo luminoso da lua, deve inspirar pela narina esquerda repetindo o bija Tham dezasseis vezes; depois reter o ar pela repetição do mantra Vam sessenta e quatro vezes. Entretanto visualize que o néctar flúi da lua na ponta do nariz e que corre pelos canais do corpo e os purifica. Mantendo a visualização, expirar repetindo trinta e duas vezes o prithivi bija lam.
Através destes três pránáyámas as nádís são purificadas. Então firmemente sentado em ásana pode começar a prática regular do pránáyáma.” (V, 38-45).

Na indicação da Hatha Yoga Pradipika o texto limitava-se a acrescentar o antar kúmbhaka, a retenção com ar, e a dar uma indicação sobre o período mínimo de prática. Aliás, a indicação dos três meses de prática continua para realização do nádíshuddhi é corrente, frequente e quase unânime na literatura.
Já a Gheranda Samhita, tráz-nos algumas “novidades”.
Nos textos tantricos e de Yoga de influência notoriamente tantrica como o Hatha Yoga e o Laya Yoga, aquela descrição do nádí shodhana pránáyáma é também utilizada como suporte para o nádi shuddhi ou bhúta shuddhi pránáyáma. Nádí shuddhi traduz-se por purificação das nádis, enquanto bhúta shuddhi indo mais de encontro ao cerne da descrição traduz-se como a purificação dos elementos (bhúta).
Como ensinam o Sámkhya e o Tantra, o corpo físico denso, como de resto todo o universo material, são constituídos por cinco elementos básicos, chamados bhútas ou mahábhútas. São eles, do mais denso para o mais subtil, prithivi (terra), apas (água), tejas (fogo), váyu (ar), akasha (eter). Estes elementos não devem ser interpretados em sentido literal, mas sim enquanto princípios (tattvas), sólido, aquoso ou liquido, ígneo ou luminoso, gasoso ou do movimento, e etéreo ou da vacuidade, respectivamente.
Ora cada um destes tattvas tem correspondência com os cinco primeiros chakras. Assim, o prithivi tattva tem o seu assento no múládhára chakra, o apas tattva no swádhisthána chakra, o tejas tattva (também chamado de agni tattva) no manipura chakra, o váyu tattva no anaháta chakra, e o akasha tattva no visuddha chakra. Cada um destes tattvas são representados simbolicamente nas imagens que se desenharam dos chakras. Assim, como descreve o Sat Chakra Nirupana, o elemento terra (prithivi) representa-se por um quadrado cor de açafrão, o elemento água (apas) por uma meia lua crescente de cor branca, o elemento fogo (tejas) por um triângulo invertido vermelho flamejante, o elemento ar (váyu) por uma hexagono de cor enegrecida (cinza), e o elemento eter (akasha) por um circulo de cor branca.
Quando o texto se refere ao váyu bija sabemos que se refere ao bija-mantra do chakra com o qual aquele tattva (o elemento váyu) tem relação, no caso o anaháta chakra. Através daquele bija pode querer-se potenciar o bhúta tattva (o elemento) ou o próprio chakra conforme a mentalização. O mesmo raciocínio vale para os restantes bijas citados no texto.
Vejamos agora o bija Tham:
O bija tham é um dos sub-bijas do manipura chakra. Ou seja, é o som produzido pelo prána a circular numa das dez nádís principais que afluem ao chakra, cada uma das quais representada por uma pétala da flor de lótus com o seu bija correspondente grafado. Começando a contar da esquerda para a direita partindo eixo é a quinta pétala. A título de exemplo veja-se o símbolo do tejas, o triângulo vermelho, e nele inscrito o bija mantra do chakraRam.

No entanto, não parece ser a esse bija que o texto se refere. Já na parte final da descrição faz-se referência à lua. Esta referência não deve ser entendida no sentido literal mas sim como uma metáfora ao soma ou indu (que significa lua) chakra que se diz libertar o nectar da imortalidade, o amrita. O bija Tham é o bija deste chakra que se situa ligeiramente acima do ájñá chakra dentro da chitriní nádí[3] e que o Kankálamáliní Tantra situa no pericarpo do sahásrara chakra.
manipura_chakra 
A verdade é que o som deste bija não é o mesmo som do sub-bija do manipura chakra atrás referido. Enquanto o som produzido por este (sub-bija do manipura) é dental, aquele (do soma) tem um som cerebral. A diferença é facilmente perceptível se conhecermos o devanágari com o qual o sânscrito se escreve, ou melhor ainda se nos for passada por um verdadeiro Mestre (Guru), motivo pelo qual o Tantra concede tanta importância à iniciação.
O ritmo do prányáma é 1-4-2-0, contando 16 tempos para inspirar, 64 para reter e 32 para expirar. Neste padrão existem vários outros exemplos citados na literatura clássica. Em todos eles o aspecto purificatório do bhúta shuddhi é potencializado pelo uso do mantra e das técnicas de concentração e visualização. Em alguns dos exemplos os bijas usados variam ligeiramente, mas em todos eles se faz uso dos bijas para estimular o tattva correspondente e através dele, ou melhor, através da visualização a ele associada, produzir o bhúta e nádí shúddhi.
No exemplo dado, o processo purificatório consiste numa prática interna subtil de secar e queimar. O secar é levado a cabo através do bija (Yam) do elemento ar (váyu) associado à respiração e à mentalização. O queimar é levado a cabo a através do bija (Ram) do elemento fogo (tejas) associado à respiração e à mentalização. O processo purificatório é seguido por um novo processo de reenergização que consiste em refazer e tornar sólido e estável o corpo subtil. O novo corpo é feito com o mantra Tham associado à respiração e à mentalização, e a estabilidade e solidez são dadas ao corpo através do bija (Lam) do elemento terra (prithivi) associado à respiração e à mentalização.
Este processo refere-se não ao corpo denso mas ao corpo subtil e nele a mentalização tem um papel essencial. Os bija mantras actuam através do prána[4] que põem em movimento.
Como se disse, outros mantras são também utilizados noutras descrições. Shyam Sundar Goswami fez um estudo comparativo das indicações dadas nos shástras e encontrou a base mais comum deste bhúttashuddhi pránáyáma[5], com o ritmo 1-4-2-0 no tempo 16-64-32:
1 - inspirar pela narina esquerda, reter com ar, trocar a narina em actividade, obstruindo agora a narina esquerda, expirar pela narina direita, sempre com manásika japa Yam e a visualização;
2 - inspirar pela narina direita, reter com ar, trocar a narina em actividade, obstruindo agora a narina direita, expirar pela narina esquerda, sempre com manásika japa Ram e a visualização;
3 - inspirar pela narina esquerda com a repetição mental do mantra Tham e visualização; reter com ar com o japa Vam, expirar pela narina direita com o japa mental do mantra Lam e a visualização.
O processo purificatório dos bijas consiste então em cinco estapas:
1. Secar com o mantra Yam,
2. Queimar e remover com o mantra Ram,
3. Fluxo de amrita com o mantra Tham,
4. Irradiação a partir do indu chakra com o mantra Vam,
5. Estabilidade com o mantra Lam.
A estas visualizações podem ainda ser associadas as formas e cores, atrás enunciadas, correspondentes a cada um dos mahábhútas. O poder dos bijas mantras é estimulado pelo japa (a repetição), pela respiração e pela concentração e visualização intensas.
Cabe ainda dizer que não será por acaso que ao bija Yam corresponde a inspiração pela esquerda, retenção e expiração pela direita, enquanto ao bija Ram corresponde a inspiração pela direita, retenção e expiração pela esquerda. De facto, não é indiferente que a inspiração seja feita pela narina correspondente à nádí positiva – pingalá – ou pela narina correspondente à nádí negativa – idá. Segundo a teoria tradicional do Yoga, a narina de polaridade positiva ou solar corresponde à na narina direita, enquanto que a narina de polaridade negativa ou lunar corresponde à a narina esquerda. A respiração pela nádí solar ou positiva produz calor, actividade, acção, energia, é aferente. Já a respiração pela nádí negativa ou lunar, é refrescante, eferente, inibitória para os órgãos, produz passividade, introversão. Visto isto, fácil é perceber que cada bija mantra está associado à respiração pela nádí que melhor cumpre o fim do bhútashuddhi.
Por fim, vejamos o que nos diz a Shiva Samhitá:
“Então, deixem o patricante experiente fechar com o polegar direito a pingalá, inspirar por idá, e manter o ar confinado, suspendendo a respiração, pelo tempo que conseguir e depois expirar lentamente, e não com força, pela narina direita. De novo, inspirar pela narina direita, e parar de respirar enquanto a força permitir. Então, expirar pela narina esquerda, não violentamente, mas lenta e gentilmente. De acordo com este Yoga, pratique vinte kúmbhakas. Deve-se praticar diariamente, sem negligência ou preguiça, e livre das dualidades.” (III, 22-24).

“A força vital (prána) é, na verdade, a melhor amiga; a força vital é, na verdade, a melhor companheira. Ó magnífico! com toda a certeza não existe parente comparável à força vital” Shiva Svarodaya.

[1] Como ensina o Prof. Pedro Kupfer, é o mesmo estado que Patañjali chama de Nirvikalpa Samádhi.
[2] Satva é um dos gunas (guna significa qualidade, propriedade ou atributo) da Prakriti (mundo manifestado, matéria, natureza, substância cósmica). Os outros dois são tamas e rajas. A diversidade e a complexidade da natureza devem-se à interação, alteração e às variações desses três elementos. Assim, tamas significa inércia; rajas, movimento e sattva estabilidade. Suas funções são, respectivamente, a de limitar, a de ativar e a de manifestar a consciência através dos seus mais variados veículos. O guna sattva actua no homem como um estado de compreensão, satisfação, tranquilidade, reflexão, alegria e felicidade. Além de outras funções, facilita a percepção de estados mais subtis da Natureza.
[3] Chitriní nádí é uma das nádís que existem dentro da sushumná nádí. A outra é a vajriní nádí que envolve a chitriní.
[4] Aqui utiliza-se o termo prána no seu conceito genérico de váyu. O prána genérico (ou váyu) divide-se em cinco pránas ou váyus principais, que são: prána, apána, udána, samána e vyána.
[5] Swami Shivananda também cita este pránáyáma em The Science of Pranayama. Livro que se encontra disponível online no site www.yoga.pro.br.

Texto escrito por Miguel Homem, professor de Yoga em Portugal, Porto e editor do site www.dharmabindu.com