sábado, 22 de maio de 2010

Pláviní e Kevala Kúmbhaka, o pránáyáma nas escrituras clássicas do Hatha Yoga


Pláviní é o pránáyáma com deglutição de ar e o último indicado na Hatha Yoga Pradípíká.
Miguel Homem
16-04-2010




Como de costume, segue-se uma descrição simples:

a) Inspirar, engolindo o ar como se fosse água ou comida.

b) Encher assim o estômago de ar (é normal que inche), mantendo-o ali, evitando qualquer movimento do corpo.

c) Quando a sensação do estômago cheio de ar existir, então expirar arrotando.

Ensina-se que neste pránáyáma a inspiração pode ser feita tanto pela boca quanto pelas narinas. Existe ainda uma outra variação em que o ar é feito sair pelo ânus. Convenhamos que não é o pránáyáma mais simpático para se fazer na sala de aula ou mesmo em casa, acompanhado.

O mais provável é que nunca se tenha cruzado com este pránáyáma nas suas práticas guiadas até ao momento e provavelmente nunca se venha a cruzar. Avança-se, no entanto, que o pláviní alivia gases e acidez no estômago, assim como alivia a sensação de fome e sede durante a prática de jejuns. Experimente, dê-se à prática e avalie por si à boa maneira do Hatha Yogi.



Vejamos então o que nos diz a Hatha Yoga Pradípíká II, 70 [1]:

“Com os pulmões completamente cheios de ar, o yogi pode flutuar facilmente sobre as águas, como uma folha de lótus.”

Como é hábito em alguns versos dos Shástras, o texto pouco acrescenta. Ficamos a saber que aquele que domina este pláviní é capaz de flutuar sobre as águas. Para aqueles que não encontraram, ainda, um professor competente e com a mestria deste pránáyáma, existe sempre a alternativa de flutuar sobre as águas em shavásana, boiando à boa maneira tradicional

Os outros textos clássicos do Hatha nada acrescentam sobre o pláviní. A Hatharatnávalí parece fazer-lhe uma menção ainda que sob o nome bhujangíkaranam mudrá [2], mas sem nada de novo.

Com este pláviní concluímos o périplo pelos principais pránáyámas citados nos textos clássicos do Hatha Yoga, incluindo os oito kúmbhakas (retenções) da Hatha Yoga Pradípíká.

Os textos dividem as retenções do prána em sahita e kevala. A primeira é acompanhada de inspiração e expiração. A segunda acontece sem o acompanhamento da respiração física. Diz-se, então, ser o resultado da respiração subtil. O kevala não é o resultado de uma acção física específica, de um esforço consciente, mas antes acontece por si mesmo, sem razão aparente. Este kevala surge frequentes vezes em meditações mais profundas. A respiração física e mecânica cessam, mas o praticante não sente falta de ar. Segundo a explicação subtil do Hatha Yoga, o kevala acontece quando o prána para de circular por ídá e pingalá e passa a circular por sushumná nádí que, entretanto, entra em actividade. E acontece quando a absorção e contemplação na meditação são intensas e imperturbadas.

Diz-se na Hatha Yoga Pradípíká II, 72 [3]:

“Kevala é um kúmbhaka independente de púraka e rechaka durante o qual se retém o prána sem esforço algum; enquanto não se dominar totalmente o kevala kúˆbhaka deve-se praticar sahita.”

Os textos são prolixos em louvar este kevala kúmbhaka. Vejam-se a este propósito a Gheranda Samhitá V, 84-96.

Este ênfase colocado no kevala aponta para a importância dada ao pránáyáma dentro da tradição do Hatha Yoga. Enquanto que no Rája Yoga a mente e o chitta shudhhi são trabalhados tendo como alavanca a mera força de vontade, o Hatha Yogi vale-se da manipulação do prána para o chitta vrtti nirodhah.

Não é difícil perceber a ligação intrínseca entre a respiração e a mente. Basta perceber a diferença quando senta para meditar depois de uma prática de Hatha bem conduzida ou quando senta, sem mais, para meditar. No primeiro caso, facilmente se nota que a mente já foi conduzida para um estado de aquietamento conducente à meditação e contemplação. Já no segundo caso, o esforço é, regra geral, bem maior.

Esta relação entre a mente e o prána é tal que o próprio Ádí Shankaráchárya declarou no seu Aparokshánubhúti (118): “A cessação de todas as modificações da mente pela habilidade de ver todos os estados mentais como chitta, como sendo apenas brahman, é chamada de pránáyáma”.

O pránáyáma é um dos maiores presentes da Índia para nós, não só para a qualidade de vida de cada um, mas sobretudo para aqueles que se dedicam ao nobre ideal da Libertação. Infelizmente, o ásana cada vez ocupa mais espaço e tempo dentro das aulas, e esta prática tão mais subtil vai-se perdendo e com ela, perde-se a ligação à meditação. Respire e respire conscientemente. Faça uso dessa ferramenta que é o pránáyáma!



“O ar tece o Universo”[4]

“A respiração tece o homem”[5]

[1] Svátmáráma Yogendra, Hatha Yoga Pradípiká, Tradução de Pedro Kupfer, Instituto Dharma-Yogashala, 2002, Florianópilis, Brasil.

[2] Shrínivásayogí, Hatharatnávalí, Tradução de Dr. M. L. Gharote, Dr. Parimal Devnath e Dr. Vijay Kant Jha, Lonavla Yoga Institute, 2002, Lonavla, Índia, pag. 52 e 53. Tradução para o português do autor.



[3] Svátmáráma Yogendra, Hatha Yoga Pradípiká, Tradução de Pedro Kupfer, Instituto Dharma-Yogashala, 2002, Florianópilis, Brasil.

[4] Brhadáranyaka Upanishad, III: 7.2

[5] Atharva Veda, X: 2.13

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