domingo, 31 de julho de 2011

Yoga é dentro e fora do tapete




Por Paulo Vieira





A prática em cima do tapete é imperativa, digo mesmo essencial. O acto de sentar e invocar a paz é o início, sendo seguido, quem sabe, pelo agnisāra dhautī,ou nauli, ou pelo ujjai prāṇāyāma, ou então seguido de uma forma diferente. Seja como for, depois de alguns e suficientes ciclos, a vontade é iniciar a prática de asana,asana sadhana. E assim vai, sūrya namaskar, trikonāsana, uttanāsana, parighāsana,etc, o que for, cada um com a sua prática e todos a gastar tapete.

Uns seguem a tradição de Krṣnamācārya, tendo como mestre Pāttābhi Jois ou então BKS Iyengar. Outros seguem outras tradições, outros mestres. Enfim, cada um com a sua preferência, a sua empatia, cada um com o seu caminho.

Geralmente todos chegam ao final da prática com mais energia, com mais clareza, mais bem dispostos. Aqueles que praticam de manhã vão para o tapete meio ensonados, e quando de lá saem, já vão oleados, afinados, no seu melhor. Os que praticam ao almoço, de certeza que se vão alimentar bem e passar a tarde mais despertos.  Os que praticam ao final da tarde libertam todas as tensões e stress acumulados pelo dia fora. Quem sabe se aqueles que praticam a altas horas da noite também sobem para cima do tapete meio ensonados, adormecem no relaxamento e depois acordam de manhã prontinhos e já em cima do tapete para praticar.Mas de uma forma geral todos arrumam o tapete com um sorriso no coração e sentem que foi bom terem praticado.

Aqui está uma questão importante: foi bom terem praticado? Praticado? Parece que arrumam o tapete e com ele arrumam também o Yoga, saem de casa ou da sala de aula e o Yoga ficou para trás. A prática de Yoga estende-se pelo dia fora, estende-se a todos momentos, a todas as experiências. A verdadeira prática de Yoga é feita em cima do maior tapete que existe – a vida!

Nas diversas e adversas situações e factos da vida que nos são presenteados, temos a oportunidade de aprimorar a nossa conduta comportamental. Temos a oportunidade de agir em conformidade com o dharma.

É perante a adversidade que se percebe a fragilidade, é perante o perigo que se percebe o medo. Mas também é perante a adversidade que se percebe a força de vontade e perante o perigo que se percebe a coragem. E assim vamos, sendo levados pelas nossas reacções e padrões de resposta comportamental, muitas das vezes reagindo de forma inesperada, forma que mais tarde, por vezes, nos trás arrependimento e culpa. 

A evolução na prática em cima do tapete deverá ser proporcional à evolução da prática fora do tapete. Se a prática flui em cima do tapete o praticante deverá fluir também por todas as experiências que vai tendo pela vida. De que vale flexibilidade corporal se não existe flexibilidade emocional? De que vale muita consciência corporal se não há nenhuma consciência comportamental?

A prática dá-nos o que pode, oferece-nos o que lhe é intrínseco. Oferece-nos a possibilidade de parar e olhar para dentro, oferece-nos um encontro com nós próprios, mas é preciso que o praticante saiba que a prática tem sempre essa generosa oferta. Geralmente o praticante apenas sabe que vai extrair mais energia, mais vitalidade, mais clareza. Pratica com o objectivo do bem-estar e não com o objectivo de se observar. Geralmente o praticante pratica pelo avanço na prática e não para estar consigo mesmo. Pratica porque um dia gostaria de fazer as posturas mais difíceis, e nessa ambição perde a observação, perde a essência da prática. Deverá existir vontade de progredir, mas o objectivo primeiro é estar consigo mesmo, observar-se, observar as limitações. As limitações do corpo, energéticas e mentais. Observar-se e chegar à pergunta mais importante- quem é este que tem limitações? Quem é que pratica, quem é o agente da acção, karta? Quem colhe os frutos da acção, quem é o que desfruta dos frutos da acção, o Bhokta?

À pergunta impõe-se uma resposta, resposta que nenhum āsana nem nenhum prāṇāyāma conseguirão dar. Não é por estar de cabeça para baixo 3h que a resposta virá. Provavelmente virá uma, ou com um pouco menos de sorte várias hérnias discais.
A resposta à mais importante pergunta que existe, quem sou eu?  é respondida por vedānta. Vedānta é a parte final dos vedas, a parte que se dedica ao auto-conhecimento, muitas das vezes também conhecida por upaniṣads.
 
Pelo estudo e compreensão correcta de vedānta a pessoa reconhece que sempre foi aquilo que procurou. A pessoa reconhece que a felicidade que tanto procurou é a sua verdadeira natureza. A pessoa reconhece-se como sendo não limitada, como sendo completa, por ser essa a sua natureza essencial. Em vez de esperar que as acções a completem como ser humano, como ser humano ela completa as acções que são inerentes ao papeis e funções que tem. Em vez de perseguir a felicidade, a felicidade é que a persegue por onde quer que a pessoa vá. Onde a pessoa está, está a satisfação, a completude, a felicidade.

Assim sendo, é muito importante para os praticantes de tapete completarem a sua prática com o estudo de vedānta, que é, por si só, uma forma de Yoga, Jñana Yoga, Yoga do conhecimento, do conhecimento de si mesmo.

Se assim for o ciclo fecha-se e o praticante vive uma vida de prática, estudo e contemplação. 
Da prática segue-se para o estudo, do estudo segue-se para a contemplação. A prática torna-se contemplação e quem pratica, o karta, o bhoka é contemplado. Namaste!

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