terça-feira, 2 de agosto de 2011

saṃskṛtam / devabhāṣā

O Sânscrito 
por Paulo Vieira

No percurso de um yogi o encontro com a linguagem sânscrita é inevitável. Logo na primeira aula, para além da palavra Yoga, muitas outras palavras são ditas em sânscrito. Mantra, āsana, prāāyāma, etc. Desta experiência invulgar poderão surgir duas reacções diferentes, que são as que interessam para o caso. Uma das reacções é a repulsa. Mas que língua tão estranha! Porque é que ele não fala Português? Uma outra reacção poderá surgir, a oposta. Que interessante a sonoridade das palavras! Parece que tem musicalidade, soa a algo familiar!

Em ambos os casos, tanto na repulsa como no interesse, a ignorância está presente. Algo completamente novo foi experienciado, algo que até então, muito provavelmente não se sabia sequer existir. Ora, onde está ignorância está também presente a oportunidade de aprender, a oportunidade de a remover, a oportunidade de entrar num mundo novo, num universo por descobrir.
 
O sânscrito é uma linguagem milenar, é a linguagem em que estão escritos os vedas, que data, pelo menos de há cerca de mais de cinco mil anos, uma data consensualmente aceite. Os vedas são, podemos dizer, as sagradas escrituras hindus, em sânscrito chamados śāstra. Este corpo de conhecimento sempre foi passado de geração em geração por tradição oral. Assim sendo, podemos inferir com segurança que a idade dos vedas é mais antiga do que o registo histórico das escrituras em formato livro, pressupõe-se que já existiriam antes, sendo depois escritas. Por isso conclui-se que também já o sânscrito existiria.  

Sam é um prefixo que quer dizer bem, alude para algo que está certo, completo. ktam vem do particípio passado do dhātu, raiz verbal, k, fazer. Sânscrito pode então ser traduzido como “aquilo que está bem feito”. Outro dos nomes pelo qual também era conhecido no tempo védico é devabhāā, que etimologicamente quer dizer a linguagem que é refulgente e que popularmente é conhecida como a linguagem dos deuses. Um outro nome, muito conhecido nos dias de hoje, é devanāgarī; nagara quer dizer cidade, urbano, nagarī é o género feminino, urbana - “A escrita urbana dos deuses”.

O sânscrito é foneticamente muito preciso. Cada letra é dita exactamente como é lida, não deixando margem para erros. Na língua portuguesa, por exemplo, a letra C na palavra aceder é lida de forma diferente do que na palavra cão, ou na palavra acreditar. No sânscrito isso não acontece, cada som tem a sua letra correspondente, desta forma, e com um poder incrível de memória foi possível preservar até à actualidade o conhecimento presente nos vedas.

Nesta linguagem as palavras são compostas por raízes verbais chamadas dhātu. Dhātu pode ser traduzido como substância elementar, assim sendo será a origem de uma palavra. A esta origem são adicionados afixos, ou seja prefixos e sufixos. Quando adicionamos um afixo à unidade ou dhātu o dhātu passa a chamar-se aga. A Pada, palavra, é a unidade a que são adicionados afixos de conjugação ou de declinação.

Exemplo:
Raiz verbal do verbo fazer – k
Afixo, neste caso é um sufixo – t
Obtemos a palavra kart, que quer dizer aquele que faz, o feitor ou fazedor

Assim sendo, existem 2200 dhātu e existem cerca de 30 afixos. A combinação dos 2200 dhātu com os cerca de 30 afixos dá origem a 66000 palavras. A estas palavras ainda são acrescentados centenas de afixos secundários, taddhitapratyayāh, o que torna muito difícil a memorização de tudo junto. Em vez disso, é dada importância às regras de formação de palavras.

Estas regras de formação de palavras, as regras de formação de palavras compostas, de adição de afixos, etc são exaustivamente expostas por Pāini na sua obra aṣṭādhyāyī. Obra que consiste em 3959 aforismos dividida em oito capítulos. aṣṭa, oito, ādhyāya, capitulo.

ini foi um sábio possuidor de uma mente extraordinária, que terá vivido algures entre o séc. IV D.C. e o séc.VII D.C. Não existem registos precisos sobre o seu nascimento, de facto pouco se sabe acerca de Pāini. Certo é que a obra que deixou sobre a gramática do sânscrito ainda hoje é profundamente estudada, não existindo nenhuma outra com a mesma dimensão e erudição. Esta obra deste grande sábio marca a viragem do sânscrito védico para o sânscrito clássico. Na altura védica, o sânscrito era chamado de devabhāā, depois de Pāini passou a chamar-se sânscrito.

Sendo este o primeiro de uma serie de textos que têm por objectivo divulgar mais um pouco da fascinante e antiga cultura Hindu, é também uma oportunidade para ambos, você e eu, de aprofundarmos um pouco mais o conhecimento deste antiga, completa e eficaz linguagem.

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