terça-feira, 21 de dezembro de 2010

OS ÁSANAS SEGUNDO PATAÑJALI


OS ÁSANAS SEGUNDO PATAÑJALI


por Pedro Kupfer



Todos os praticantes nos deparamos, cedo ou tarde, com a definição clássica que o sábio Patañjali dá sobre ásana no Yoga Sutra ('Aforismos do Yoga'), texto seminal desta escola de filosofia. Ele afirma que 'ásana é a postura, firme e confortável' (sthirasukham ásanam, YS,II:46). No entanto, alguns yogis ficam confusos sobre como deveria ser interpretada esta afirmação, uma vez que não são dados maiores detalhes nesse importante texto. Essa confusão diz respeito ao equilíbrio entre os dois adjetivos que este sábio usa para qualificar as posturas do Yoga. Como encontrar a igualdade de forças entre firmeza e conforto? Como evitar cair na acomodação ou nos deixar arrastar pelo excesso de rigidez?
Acredito que, para encontrar a maneira correta de interpretar esse ensinamento, devamos ir até a origem da questão: sthira significa firme, sólido. Por outro lado, há várias formas de definirmos sukham: felicidade, algo fácil, fluido ou agradável. Na frase do Yoga Sutra, percebemos que o autor coloca primeiramente o termo sthiram. Nao há dúvida, portanto, sobre o fato de que devamos construir o ásana (seja qual for a sua interpretação dessa palavra), primeiramente, da maneira mais firme. Somente depois vem sukham, o conforto. Sukham não pode ser mole, uma vez que seria ilógico, ja que sthiram significa firme. Portanto, agradável, já que sukham significa mesmo felicidade, alegria, parece-me uma forma adequada de traduzir o termo.

O caminho do meio.
Interpretando isso desde o ponto de vista do Hatha Yoga, poderíamos considerar que na prática deveríamos aplicar de maneira balanceada ambos fatores: sthira e sukham, em partes equilibradas: nem muito para a rigidez, nem muito para a moleza ou a auto-complacência. O caminho do meio, como ensinou o filósofo budista Nagarjuna, sempre me pareceu o mais lógico. Você não quer se matar na prática nem, como professor, machucar ninguém.
No entanto, se você considera que a sua prática está muito rígida, pode ser que esteja faltando um pouco de sukham nela. Força, flexibilidade e concentração são elementos necessários na prática de Hatha, mas não apenas nela. Se você não aplicar algum grau de força ou concentração, não conseguirá nem sequer se manter em pé ou sentado.
Por outro lado, percebemos que alguns praticantes têm uma espécie de obsessão com a firmeza e a permanência, como se o sucesso na prática dependesse da capacidade de ficar por horas em alguma postura específica. Um tempo atrás conheci um professor que estava convencido de que a iluminação poderia ser alcançada através de uma permanência suficientemente longa a inversão sobre a cabeça, sirshásana.

2h de sirshásana = iluminação?
No livro Hatha Yoga, uma técnica de libertação, o célebre yogi estadunidense da década de 1940, Theos Bernard, coloca um depoimento sobre como foi instruído por seu professor indiano para aumentar progressivamente a permanência nessa posição até chegar a duas horas diárias. Como bem sabemos, o que vale para um yogi pode não valer para outros. É necessário termos bom-senso na hora de escolher nossas práticas.
Este depoimento de Bernard foi tomado pelo colega referido acima como um exemplo a ser copiado. Acontece que esta pessoa tinha uma fragilidade congênita na região cervical e, depois de alguns meses insistindo em fazer algo que o corpo dele não recebia mesmo bem, acabou por gerar uma tremenda lesão nos discos cervicais, que comprometeu não apenas a sua prática pessoal, mas igualmente alguns movimentos básicos do cotidiano, como girar a cabeça para os lados e deixou seqüelas que irão acompanhar a pessoa pelo resto da vida. Este é um exemplo de interpretação exagerada do termo sthira. Excesso de firmeza ou excesso de permanência, nem sempre serão benéficos para o praticante.

Algumas dicas.
Então, a idéia geral para aplicar o princípio sthirasukham à prática das posturas, seria observar cuidadosamente a respiração ao longo da prática. A respiração é o termômetro natural para filtrarmos e interpretarmos corretamente os sinais que o corpo nos envia incessantemente. Se ela estiver pausada, ritmada, uniforme e profunda, isso pode ser interpretado de duas maneiras: a) estamos no ponto de equilíbrio entre a estabilidade e conforto, ou b) poderíamos ir um pouco além no esforço. Se, investigando o limite desse esforço (seja na permanência, seja na intensidade), verificarmos que a respiração fica mais difícil, ofegante ou pesada, esse seria o sinal para desfazer o ásana ou para continuarmos permanecendo nele, mas de maneira mais suave.
Outros sinais de exagero na firmeza ou na permanência são o tremor do corpo devido ao excesso de rigidez ou falta de firmeza na postura, a ansiedade, a instabilidade emocional ou mental, ou a transpiração excessiva (não há mal em transpirarmos normalmente ao praticar no verão).
No outro extremo, uma prática excessivamente cuidadosa, suave ou lenta pode se tornar inócua para o praticante. No entanto, temos que compreender exatamente o que queremos dizer com prática excessivamente cuidadosa: por exemplo, algo que seja tremendamente fácil para um praticante na faixa dos 40 anos de idade e ativo fisicamente, pode ser impossível, desaconselhável ou até mesmo perigoso para um praticante sedentário na faixa dos 50 anos.
A questão, portanto, parece estar em evitar os extremos, e em renovar constantemente a capacidade de auto-observação, de maneira que a cada prática sejamos capazes de interpretar corretamente o que significa aplicar o esforço e a entrega em doses equilibradas. Cabe, nesse sentido, lembrar que o corpomente está sujeito a constantes mudanças ao longo da vida e que, conseqüentemente, é desejável fazer uma leitura diária e uma correta interpretação dos sinais que ele nos envia. Boas práticas e namaste!
Texto publicado originalmente na revista Prana Yoga Journal. Visite o website da revista clicando aqui: www.eyoga.com.br. Texto retirado do site www.yoga.pro.br. Pedro Kupfer é professor de Yoga e Vedanta e edita o site atrás referido

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